Folha de S. Paulo


No Oriente Médio, Trump quer desafiar países a visão pacífica do islã

Quando, neste domingo (21), o presidente dos EUA, Donald Trump, desafiar líderes de dezenas de países de maioria muçulmana reunidos na Arábia Saudita a "abraçarem um futuro melhor para sua fé" —nas palavras do próprio Trump—, será inevitável a comparação com o discurso proferido há oito anos por Barack Obama no Cairo.

Obama, que também estava havia menos de cinco meses na Casa Branca, defendeu um "novo começo" na relação entre os EUA e os muçulmanos em todo o mundo.

Trump, por sua vez, quer "confrontar a ideologia radical" e promover uma "visão pacífica do islã". E continuou, na última semana, usando o termo "terrorismo islâmico radical", considerado ofensivo por grande parte dos muçulmanos.

O discurso se insere numa programação que inclui reuniões com os líderes de Bahrein, Qatar, Kuait, Egito e Omã —países não incluídos no veto a nações de maioria islâmica previsto em dois decretos assinados por Trump e barrados na Justiça— e a inauguração do Centro Global de Combate à Ideologia Extremista, em Riad, capital saudita.

A escolha da Arábia Saudita, junto com Israel, como os destinos de sua primeira viagem internacional mostra não somente a importância que Trump quer dar aos parceiros tradicionais no Oriente Médio, mas também aos que se unem no discurso contra o Irã, "principal patrocinador do terrorismo", segundo ele.

"Os destinos mostram que as tradicionais alianças dos EUA com israelenses e sauditas serão novamente prioridade e evidenciam, logo após as eleições no Irã, o rompimento com o processo de reaproximação com Teerã iniciado no governo Obama", afirma Camille Pecastaing, especialista em Oriente Médio da Universidade Johns Hopkins.

A posição de Trump sobre os principais temas da região, no entanto, está longe de ser clara. Desde a campanha, o republicano mudou seu discurso sobre a Síria, admitindo, após um ataque químico contra civis (atribuído ao regime, mas negado por Damasco), que a saída do ditador Bashar al-Assad é agora uma das suas prioridades no país.

Sobre a retomada do processo de paz entre israelenses e palestinos, o presidente disse, em fevereiro, que os EUA não viam mais a necessidade de uma solução de dois Estados. No dia seguinte, sua embaixadora na ONU, Nikki Haley, afirmou que o país ainda apoiava um Estado palestino.

O impacto poderá ser visto no primeiro encontro entre Trump e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, na próxima terça (23), em Belém.

Mesmo sobre seu principal inimigo na região, há incongruências. Após passar toda a campanha chamando de "desastroso" o acordo nuclear fechado com o governo iraniano, o republicano o manteve intacto até agora.

VENDA DE ARMAS

O sucesso da viagem está associado, em parte, pelo governo Trump, ao acordo assinado neste sábado (20) para a venda pelos próximos dez anos, de aviões, navios e armas à Arábia Saudita no valor de US$ 110 bilhões —em negociação liderada pelo genro de Trump, Jared Kushner.

Os EUA também assinaram uma carta em que se comprometem a "apoiar as necessidades de defesa sauditas".

"É um tremendo dia", disse o presidente, ao lado do rei saudita, Salman, e destacando as "centenas de bilhões de dólares de investimento [do país] nos EUA" e os "empregos, empregos, empregos". "Quero agradecer a todo o povo da Arábia Saudita".

O cofundador do Grupo Blackstone Stephen Schwarzman, amigo e presidente do fórum de políticas estratégicas de Trump, foi um dos beneficiados, com US$ 20 bilhões da venda aos sauditas.

"DESAFIO AO ISLÃ"

Segundo o historiador Aaron Miller, do Wilson Center, num cenário minimamente controlado, as complicações que podem surgir na viagem de uma semana são "as que Trump impõe a si mesmo" —como o arriscado discurso deste domingo.

"Meu conselho a Trump seria que ele não fizesse esse discurso. É muito complicado você chegar a um país e falar para as pessoas sobre a religião delas", diz o historiador. "Além disso, ele tem um eleitorado interno que espera que ele tenha um tom muito duro com os muçulmanos."

Segundo um membro da equipe de Trump ouvido pela rede CNN, o responsável por redigir o discurso que o presidente fará neste domingo é Stephen Miller, o mesmo assessor que escreveu os dois decretos assinados por Trump proibindo a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana no país.

Mesmo se a Casa Branca amenizar o tom da fala de Trump, Aaron Miller diz duvidar que haja uma mudança na forma como o republicano é visto entre os muçulmanos.

"É preciso olhar todo o comportamento de Trump e de seus assessores até aqui. Não acho que as palavras contarão muito agora."


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