Folha de S. Paulo


Primeiro na linha sucessória, vice de Trump tem credibilidade questionada

Alex Brandon/Associated Press
O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, discursa durante evento da Câmara de Comércio americana
O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, discursa durante evento da Câmara de Comércio americana

Há um certo número de pessoas que olham para o vice-presidente Mike Pence e veem o presidente Pence —talvez mais cedo do que se espera.

Para os democratas nostálgicos, seria a consequência final de o presidente Donald Trump renunciar ou sofrer impeachment; para os republicanos saudosos, alguns sonham com um presidente republicano mais sério, menos inclinado a erros, que realmente consiga aprovar uma agenda conservadora.

Mas Pence dificilmente ficou imune às confusões de Trump. E por duas vezes na semana passada suas defesas da Casa Branca a que ele serve foram desmentidas, de maneiras que põem seriamente em questão sua credibilidade.

Abaixo estão três grandes ocasiões em que Pence disse alguma coisa que veio a ser no mínimo enganosa e no máximo claramente falsa, começando pela mais recente.

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1. A posição de Michael Flynn como agente estrangeiro da Turquia

No início de março, foi noticiado que o ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn tinha se inscrito como agente estrangeiro para a Turquia, depois de não o ter feito quando deveria.

Perguntado sobre isso por Bret Baier da Fox News em 9 de março, Pence disse duas vezes que foi "a primeira vez que ouvi falar nisso":

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Baier: A notícia de hoje de que o ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn se registrou no Departamento de Justiça como agente estrangeiro para ganhar mais de US$ 500 mil como lobista, basicamente para a Turquia.

Sua reação a isso, diante disso, não quer dizer, senhor vice-presidente, que mesmo que ele não tenha mentido ao senhor sobre o que o embaixador russo disse ou não disse, que o senhor teria de demiti-lo de qualquer maneira?

Pence: Bem, deixe-me dizer, ao ouvir essa história hoje, foi a primeira vez que ouvi falar nisso. E apoio totalmente a decisão que o presidente Trump tomou de pedir a renúncia do general Flynn.

Baier: Está decepcionado com essa história?

Pence: A primeira vez que ouvi falar, e acho que é, hã... é uma confirmação da decisão do presidente de pedir que o general Flynn renuncie.

Impeachment EUA

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Alguns dias depois, porém, "The Washington Post" e outros jornais relataram que Flynn tinha informado à equipe jurídica de Trump já antes da posse que ele talvez precisasse se registrar como agente estrangeiro.

E no final da quarta-feira (17) "The New York Times" noticiou que Flynn também havia revelado que ele estava sob investigação federal por isso. Foi o que ele disse ao então futuro advogado-chefe da Casa Branca, Don McGahn, em 4 de janeiro, segundo o "Times".

Há duas defesas possíveis para Pence aqui. A primeira é que talvez McGahn não tenha passado essa informação para Pence. Isso não faz muito sentido, porém, já que Pence estava chefiando o esforço de transição.

Teria sido uma feia negligência de McGahn.

A segunda é que, mesmo que Pence soubesse disso, talvez ele estivesse se referindo estritamente às notícias de que Flynn se havia inscrito como agente estrangeiro quando ele disse que foi a primeira vez que ouviu falar nisso.

Mas seria altamente enganoso —no mínimo. E Pence continuou fingindo que tudo era informação nova, que reforçava a decisão de Trump de pedir a renúncia de Flynn.

2. A explicação da demissão de James Comey

Enquanto defendia a demissão por Trump do diretor do FBI James Comey na semana passada, Pence afirmou que o presidente tinha agido sob a recomendação do Departamento de Justiça e disse que a decisão não teve a ver com a investigação da Rússia pelo FBI:

"Quero deixar muito claro que a decisão do presidente de aceitar a recomendação do vice-secretário de Justiça e do secretário de Justiça de remover o diretor Comey da chefia do FBI se baseou única e exclusivamente em seu compromisso com os melhores interesses da população americana e para garantir que o FBI tenha a confiança da população deste país."

"Não há evidências de conluio entre nossa campanha e alguma autoridade russa. Não se trata —deixem-me ser claro com vocês— não se trata disso. Não se trata disso."

O próprio Trump estragou tudo um dia depois, dizendo a Lester Holt, da NBC News, que já tinha decidido demitir Comey e o teria feito independentemente da recomendação do Departamento de Justiça.

Trump também disse claramente que a investigação da Rússia estava em sua mente. "Quando eu decidi [demitir Comey], eu disse a mim mesmo: você sabe, essa coisa da Rússia com Trump e a Rússia é uma história inventada", afirmou ele.

Pence poderia argumentar que Trump tecnicamente aceitou as recomendações do Departamento de Justiça. Mas, novamente, isso seria altamente enganoso, com base nos próprios comentários de Trump de que ele já havia decidido.

A leitura mais caridosa que pode haver aqui é que Pence estava entregando os argumentos de debate da Casa Branca antes que Trump os queimasse.

Mas mais uma vez Pence está colocando sua credibilidade na linha quando oferece X como explicação em vez de Y, e acontece que era de fato Y. Ele se ofereceu para isso, e cabe a ele pedir a verdade a seu chefe antes de sair a defendê-lo.

3. 15 de janeiro: Flynn fala sobre sanções com a Rússia

Voltando um pouco mais, a explicação para a renúncia forçada de Flynn em fevereiro foi que ele mentiu para Pence sobre seus contatos com a Rússia —mentiras que Pence foi à TV e logo enfatizou como verdade.

Pence afirmou ao "Face the Nation" na CBS em 15 de janeiro que Flynn não tinha discutido as sanções dos EUA com o embaixador russo, Sergey Kislyak —conversas que poderiam ter infringido a lei, já que Flynn ainda não era um membro da Casa Branca:

"Eles não conversaram sobre nada que tivesse a ver com a decisão dos EUA de expulsar diplomatas ou impor censura contra a Rússia. (...) O que eu posso confirmar, tendo falado com ele a respeito, é que essas conversas que por acaso aconteceram mais ou menos na época em que os EUA agiram para expulsar diplomatas não tiveram nada a ver com aquelas sanções."

Isto veio a ser totalmente errado. Mais uma vez, é bem possível que Pence realmente tivesse recebido informações erradas de alguém —no caso, Flynn. Mas ele continua aparecendo e fazendo afirmações firmes sobre o que deu errado.

Nesses três casos, Pence disse algo para defender o governo que, em retrospectiva, parece muito suspeito. Exatamente o que está acontecendo aqui pode ser discutido, mas nada disso é bom para o futuro político de Pence.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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