Folha de S. Paulo


Divididos nas urnas, iranianos se unem em torno da política externa

Enquanto dois soldados iranianos pediam sanduíches de falafel no Comandante, um restaurante de Teerã, Kazem Amini delineava o que vê como prioridade na eleição presidencial que acontece sexta-feira no país.

"A primeira coisa é a segurança", disse Amini, um dos donos do restaurante. Ele estava em pé diante de um mural que retrata alguns entre as centenas de milhares de iranianos que morreram na guerra entre o país e o Iraque, iniciada em 1980.

Stringer/Reuters
O presidente do Irã, Hassan Rowhani, durante cerimônia que marca o aniversário da Revolução Islâmica de 1979, em Teerã
O presidente do Irã, Hassan Rowhani

O rosto de Qassem Solemaini, o atual comandante da Força Quds, se destaca entre as figuras dos soldados caídos. "Somos um país geopoliticamente importante, temos que manter nossas fronteiras seguras."

A eleição presidencial desta sexta-feira (19) coincide com um período de intenso escrutínio e críticas ao Irã da parte do presidente americano, Donald Trump, que reprova o envolvimento iraniano em assuntos internos de Síria, Iraque e Líbano. Trump, que fará sua primeira visita ao Oriente Médio na semana que vem, já avisou que Teerã está "na mira".

Mas Amini não se deixa abalar e defende as intervenções de Teerã no exterior como parte da estratégia de segurança nacional iraniana. "Não queremos guerra, mas não podemos permitir que interfiram com o nosso país", ele diz. "Não temos medo de Trump. Ele deveria ter medo de nós."

Em uma eleição altamente polarizada e dominada por questões internas como a economia, desemprego e corrupção, em um duelo que opõe facções reformistas e de linha dura, a opinião de Amini sobre a segurança e o papel regional do Irã provam ser um dos poucos pontos de consenso.

Na sexta-feira, Amini, 23, que estuda engenharia, vai votar em Ibrahim Raisi, importante líder religioso e o principal candidato da linha-dura na batalha para tentar derrotar Hassan Rowhani, o presidente centrista que firmou o histórico acordo nuclear entre o Irã e as grandes potências mundiais, em 2015. Mas muitos iranianos reformistas que rejeitam Raisi como presidente compartilham da opinião de Amini.

Diante da menção a Trump, um dono de papelaria que é partidário de Rowhani invocou as palavras do aiatolá Ruhollah Khomeini, o líder da revolução islâmica de 1979: "Não damos a mínima [para os Estados Unidos]", ele disse. "O que estamos fazendo na Síria serve ao interesse nacional porque nossos inimigos querem que sejamos fracos."

A Força Quds, a ala da Guarda Revolucionária iraniana responsável por operações internacionais, está oferecendo apoio crucial ao ditador sírio, Bashar al-Assad, na guerra civil iniciada seis anos atrás na Síria, e está ativa no Iraque, Afeganistão e, supostamente, no conflito do Iêmen.

A posição oficial de Teerã é a de que suas forças na Síria estão combatendo o Estado Islâmico e protegendo os locais sacros dos xiitas. Uma "fundação de mártires" controlada pelo Estado iraniano informou em março que mais de dois mil "defensores dos templos" iranianos haviam sido mortos em combate até então.

Mas os países do Golfo Pérsico, dominados pelos muçulmanos da seita sunita, temem que Teerã esteja estabelecendo uma esfera de influência designada como "crescente xiita", que se estenderia do Irã rumo a oeste, passando pelo Iraque sob governo xiita, chegando à Síria, onde o regime alauíta de Assad continua a manter o poder, e avançando rumo ao sul para o Líbano, onde a facção militante xiita Hizbollah ocupa posições na tensa fronteira com Israel.

Os esforços para restringir a influência de Teerã estarão no topo da agenda quando Trump visitar Israel na semana que vem, e se reunir com líderes árabes na Arábia Saudita, rival regional do Irã. Uma coalizão sob liderança saudita está combatendo os rebeldes xiitas houthi do Iêmen, que supostamente contam com apoio do Irã.

Os presentes à reunião estarão acompanhando de perto o resultado da eleição presidencial iraniana, em busca de sinais de qualquer mudança na política externa de Teerã.

Rowhani e Raisi prometeram salvaguardar o acordo nuclear, que levou à retirada de muitas das sanções que pendiam sobre o Irã e é a principal realização do primeiro mandato de Rowhani.

O presidente, que durante a campanha fez críticas frequentes aos Guardas Revolucionários, prometeu que conseguiria a suspensão das sanções restantes se conquistar um segundo mandato, mas isso requereria que o Irã modere suas atividades militares.

Mas Raisi, novato na política, não ofereceu qualquer indicação sobre suas posições de política externa. "Não temos ideia do que Raisi fará", diz um diplomata. "Ele é um líder religioso educado no Irã, com horizontes e experiências bastante estreitos".

Teerã vem reagindo com cautela aos pronunciamentos de Trump contra o Irã, desde que ele chegou à Casa Branca, o que sugere que o regime não quer provocar Washington.

Rowhani, no entanto, vem tentando explorar o medo de um recrudescimento das tensões com os Estados Unidos, especialmente da parte da classe média, ao dar a entender que seus oponentes de linha dura levariam o país a viver de novo em isolamento.

Mohammad Ali Abtahi, antigo vice-presidente reformista iraniano, diz que um dos motivos para o silêncio de Raisi sobre política externa é que sua base exigiria ferozes "slogans revolucionários" contra os Estados Unidos, mas usá-los acarreta o risco de alienar os eleitores preocupados com a possibilidade de um conflito.

A Síria, enquanto isso, mal foi mencionada como questão eleitoral.

"As pessoas acreditam que, se não formos à Síria para combater o Estado Islâmico, ele virá ao Irã", diz Abtahi. "Pessoas estão sacrificando suas vidas pela segurança do Irã. Essa lógica é muito importante."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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