Folha de S. Paulo


Trabalhistas britânicos crescem, e conservadores fazem aceno à esquerda

Uma pesquisa eleitoral divulgada em Londres nesta quinta-feira deu esperanças à oposição trabalhista ao mesmo tempo em que parece consolidar a dianteira da atual primeira-ministra, Theresa May, candidata a um novo mandato nas eleições nacionais do dia 8 de junho. O partido Conservador manteve os 49% enquanto os trabalhistas subiram para 34%.

May lançou ontem seu programa de governo, que surpreendeu os analistas ao adotar uma série de propostas de maior proteção do Estado para setores carentes da sociedade, mais próximas do discurso intervencionista dos Trabalhistas que do liberalismo dos Conservadores.

Stefan Wermuth - 18.abr.2017/Reuters
A premiê britânica, Theresa May, pede eleições antecipadas para 8 de junho durante coletiva em frente à residência oficial em Londres
A primeira-minista britânica, a conservadora Theresa May

A líder foi imediatamente questionada sobre as diferenças em relação à líder conservadora da segunda metade do século 20, Margaret Thatcher. "Eu não vou me voltar à direita", disse May, surpreendendo ainda mais.

Na pesquisa divulgada ontem pelo instituto de pesquisas multinacional Ipsos, a diferença do partido Conservador para os trabalhistas caiu 8 pontos, caiu de 23 pontos no início da campanha eleitoral, para 15.

Parece muito em uma corrida com vários concorrentes, como no Brasil, mas no tradicional bipartidarismo britânico, é como se a diferença fosse a metade.

E a dualidade parece estar se afirmando: quem perdeu intenções de voto foi o terceiro partido, liberal-democrático (caiu de 13 para 7 pontos), que vem nas últimas eleições se tornando a terceira via e tinha esperanças de disputar o segundo lugar.

No entanto, a campanha eleitoral deixou sem discurso os chamados "liberais-democratas".

Único partido claramente contra a saída do Reino Unido da União Europeia, enquanto os dois outros tiveram políticos importantes dos dois lados do plebiscito de 2016, o partido se preparou para discutir Brexit.

E quebrou a cara: o debate está focado em temas locais: as três principais questões sociais, saúde, habitação e educação.

O programa de governo de Theresa May foi divulgado uma semana depois do Trabalhista Jeremy Corbyn lançar o seu: líder mais à esquerda do partido, Corbyn propôs aumento de impostos (voltando a criar uma taxa de 50% no imposto de renda sobre os mais ricos) e mais gastos públicos, especialmente no Sistema Nacional de Saúde (o SUS local, cuja sigla em inglês é NHS) e educação.

Oli Scarff - 24.set.2016/AFP
British opposition Labour Party leader Jeremy Corbyn speaks after being announced as the winner of the party's leadership contest at the Labour Party Leadership Conference in Liverpool on September 24, 2016. Left-winger Jeremy Corbyn was re-elected British Labour leader on Saturday, seeing off a challenge from his MPs but leaving the opposition party deeply divided, with its very future in question. / AFP PHOTO / OLI SCARFF
O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn

A reação dos analistas foi considerar uma jogada tresloucada. "Corbyn agita a bandeira vermelha", foi a manchete do jornal "London Evening Standard", gratuito e muito popular.

De fato, o senso comum sugeriria que estando 23 pontos atrás da líder, Corbyn fizesse uma "carta ao povo britânico", como a de Lula em 2002, prometendo comportar-se bem aos olhos do eleitor de direita.

Mas a jogada ousada se comprovou correta, ao menos para aglutinar em torno de sua candidatura a base trabalhista. Se mantiver a performance, tenderá a assegurar os votos de seus eleitores tradicionais, deixando a decisão nas mãos do voto fluido, sem filiação automática. Para quem parecia morto, correndo o risco de chegar em terceiro, não é mal.

Na posição contrária, o senso comum talvez indicasse que a líder disparada nas pesquisas, Theresa May, faria um programa de afirmação radical do discurso Conservador, proporia reduzir impostos, para aquecer a economia e agradar a grande classe média, e diminuir o orçamento para a área social, para cortar o déficit público.

Tudo ao contrário: também ela fez a jogada exata para conquistar, dos eleitores fluidos, aqueles que costumam votar nos trabalhistas. Começou por fazer o evento de lançamento do programa em Vauxhall, um bairro de eleitorado trabalhista.

Foi como se João Dória lançasse sua candidatura presidencial no Largo Treze, por assim dizer. Depois, a conservadora propôs medidas com concessões à esquerda.

O sentido comum das jogadas dos dois principais candidatos é um só: o eleitor britânico está preocupado com seu bolso e quer a proteção do Estado, contra o custo de vida e a por mais e melhor atendimento do governo nas três frentes sociais em que os conservadores costumam reduzir orçamento para cortar impostos.

O "zeitgeist" (o espírito do tempo), a demanda do eleitor, é por mais Estado. Um sentimento que, Thereza May sabe, poderia beneficiar o adversário. Seu programa de governo parece contraditório, mas foi feito na medida para evitar que Corbyn cresça mais ainda.


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