Folha de S. Paulo


Mídia de direita critica governo Trump por não dar informações exclusivas

Até os repórteres que deveriam gostar do governo Trump estão resmungando sobre ele hoje em dia.

A frustração entre os canais de mídia conservadores, que torceram para Donald Trump na trilha de campanha, não tem nada a ver com os escândalos e contratempos políticos que envolvem o presidente.

Saul Loeb - 15.mai.2017/AFP
O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, responde às perguntas dos jornalistas na última segunda (15)
O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, responde às perguntas dos jornalistas na última segunda (15)

Em vez disso, eles dizem que se tornaram cidadãos de segunda classe em termos de acesso e conexões com o presidente e seus assessores mais próximos.

Vários deles estão chateados porque as grandes entrevistas e os grandes furos foram para a mídia da corrente dominante. E alguns dos maiores foram para "The New York Times" e a NBC News, canais que Trump rotulou de "inimigos do povo americano".

"A mídia liberal da corrente dominante pegou os maiores pedaços de carne", disse um repórter de uma organização noticiosa conservadora. E acrescentou: "É de enfurecer ler [uma reportagem na corrente dominante] e ver que estão falando com eles, e não conosco. Eles [o governo] esqueceram quem os colocou aqui".

As queixas ocorrem em um momento em que a mídia da corrente dominante —particularmente "The Washington Post" e "The New York Times"— publicou reportagens que mergulharam a Casa Branca em seu mais sério redemoinho até hoje.

E são mais um tapa no porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, cuja segurança no emprego foi questionada na última semana. (Spicer e o diretor de Comunicações da Casa Branca, Michael Dubke, são os principais leões-de-chácara que determinam quem consegue entrevistar o presidente.)

Trump estaria pensando em reformular sua equipe de comunicações; na terça-feira (16), a apresentadora da Fox News Kimberly Guilfoyle disse que foi entrevistada para o cargo de Spicer.

Mas a irritação também surpreende diante dos esforços sem precedentes que Spicer e outras autoridades da Casa Branca têm feito desde que Trump assumiu o cargo para atender os meios de comunicação que se concentraram nele.

O próprio presidente deu entrevistas para canais amistosos como Breitbart News, Christian Broadcasting Network, "The Washington Examiner" e várias à Fox News desde sua posse.

A Casa Branca também deu credenciais de imprensa a disseminadores de farsas de direita como Gateway Pundit e permitiu que âncoras de programas de entrevistas conservadores fizessem perguntas via Skype durante os comunicados diários à imprensa.

Não é suficiente, dizem vários jornalistas conservadores, que fizeram comentários para esta reportagem sob a condição do anonimato para evitar prejudicar seu relacionamento com a Casa Branca.

"Ainda há um enfoque desproporcional para tentar trabalhar com a mídia do establishment", disse o editor de um jornal conservador.

"As pessoas que deram a Trump 306 votos do Colégio Eleitoral não estão lendo 'The Washington Post' ou assistindo à CNN. Elas leem Breitbart, The Daily Caller, escutam [Laura] Ingraham e assistem à Fox News. Eu acho que eles correm um risco [com os principais apoiadores de Trump] ao manter à distância a mídia conservadora."

Os jornalistas se ofenderam quando Trump os ignorou e chamou a repórter de "The New York Times" Maggie Haberman e o repórter de "The Washington Post" Robert Costa para comentar a iniciativa fracassada de aprovar sua lei de reforma da saúde em março.

Eles também disseram que os altos assessores de Trump, o chefe de gabinete, Reince Priebus, e o estrategista-chefe Stephen Bannon, deram uma rara entrevista conjunta à revista "New York" em fevereiro, mas não ofereceram nada semelhante a eles. (Bannon é ex-presidente do Breitbart News.)

Um repórter comentou que Trump falou com quatro dos cinco canais (ABC, CBS, NBC e "New York Times") que ele declarou "inimigos do povo americano" em um famoso tuíte em meados de fevereiro. "Eles chamam a mídia do establishment de partido de oposição", disse o repórter, "mas não agem de acordo."

Na semana passada, Trump deu entrevistas à NBC e à revista "Time", mais uma vez ignorando a mídia conservadora. "Isso o faz parecer um esnobe de Manhattan", disse o repórter. "O pessoal da grande mídia de Nova York e Washington não joga nos Estados vermelhos [republicanos]."

A frustração entre os jornalistas conservadores cresceu a ponto de se falar em sair da Associação de Correspondentes da Casa Branca para formar uma organização própria que faria lobby junto às autoridades para conseguir acesso.

Spicer e sua vice, Sarah Huckabee Sanders, não responderam perguntas sobre o assunto. Vários repórteres ainda estão magoados com o último gesto oficial da Casa Branca à imprensa conservadora, no final de abril.

Durante uma recepção na Casa Branca com Trump e o secretário do Comércio, Wilbur Ross, com cerca de 30 editores, repórteres e comentaristas, as autoridades pediram que os jornalistas entregassem seus telefones e declararam que a reunião era "on background".

Isso queria dizer que as declarações [mesmo que publicadas] não poderiam ser atribuídas a oradores específicos. Mais tarde, membros da equipe de imprensa disseram aos jornalistas que os comentários de Trump eram "on the record" [poderiam ser citados como dele].

Mas então muitos do grupo não tinham tomado notas ou gravado os comentários, ficando incapacitados de apresentar citações específicas. Além disso, diante da ampla lista de convidados, ninguém teve uma entrevista exclusiva sobre nada.

"Eles nos trataram como crianças", disse um jornalista que esteve lá.

Em certos aspectos, a estratégia de Trump de jogar com a mídia da corrente dominante não surpreendeu ninguém, disse o editor de outro site conservador, que manifestou menos frustração com a Casa Branca.

"The New York Times" foi o respeitado jornal local durante seus dias de empreiteiro novato em Nova York, comentou ele, e a revista "Time" foi o padrão ouro quando os semanários eram proeminentes e prestigiosos. As redes de TV eram os maiores atores de todos, disse o editor.

"A mídia que interessa a ele é a mídia que ele lê e vê", disse o jornalista. "Há uma desconexão entre Trump e sua equipe. Ele quer 'fazer' a mídia que ele vê ou lê. Sua equipe tem uma estratégia diferente às vezes."

Vários jornalistas conservadores ofereceram opiniões diferentes sobre se gostariam que Spicer continue no cargo. Mas parecem concordar em uma coisa:

"No fim das contas, tudo o que queremos é um lugar à mesa", disse um deles. "Achamos que merecemos isso."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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