Folha de S. Paulo


Iranianos têm pouca esperança de que eleição melhore seu destino

Quando era estudante na faculdade de engenharia, Hamidreza Faraji esperava que depois de se formar conseguisse um emprego estável, com salário fixo, plano de aposentadoria e um bônus de vez em quando. Imaginava que chegaria em casa às 18h para encontrar a família e passaria as férias em um balneário no mar Cáspio.

Mas Faraji, 34, há muito tempo desistiu de tudo isso. Hoje, segundo ele, as únicas pessoas que levam vidas tão previsíveis são os funcionários do governo. Seus empregos são bem remunerados e oferecem segurança, mas são difíceis de se conseguir em parte porque os empregados mais velhos continuam neles bem depois da idade da aposentadoria, limitando as oportunidades para a geração seguinte.

Atta Kenare - 17.jan.2016/AFP
Iranian President Hassan Rouhani delivers a speech to parliament before presenting the proposed annual budget in the capital Tehran , on January 17, 2016, after sanctions were lifted under Tehran's nuclear deal with world powers. Iran has
O presidente iraniano, Hassan Rowhani, faz discurso no Parlamento em 2016

Por isso, milhões de iranianos, especialmente os jovens, se veem, como Faraji, apanhados em um cíclo vicioso de pobreza escondida, uma luta exaustiva para se manter na superfície, trabalhando em diversos empregos e administrando esquemas para ganhar dinheiro só para não afundar. A taxa de desemprego entre os jovens é de 30%.

"Busco oportunidades e tento aproveitá-las ao máximo", disse Faraji quando perguntado sobre como sustenta a si e a sua mulher. Um bebê está a caminho –"simplesmente aconteceu"–, mas eles não têm ideia de como vão pagar os custos adicionais com o dinheiro que ele ganha como pequeno negociante.

Para muitos no mundo exterior, o Irã parece estar numa onda de prosperidade, com os cofres abastecidos pelos bilhões de dólares que recebeu depois do acordo nuclear com as potências estrangeiras. As empresas internacionais têm afluído ao país, parecendo ávidas para fechar negócios.

O governo também aplica seu peso na região, dando apoio político e militar a grupos xiitas e governos do Iraque, Síria, Líbano e Iêmen e ampliando sua influência para leste, até o Afeganistão. Em discursos incendiados, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, gaba-se do impacto de seu país.

O governo Trump manifestou profundas preocupações sobre o poder crescente do Irã, e o secretário de Defesa, Jim Mattis, disse recentemente: "Para qualquer lugar que você olhe na região, se houver problemas, encontrará o Irã".

Diante da eleição presidencial na próxima sexta-feira (19), entretanto, muitos iranianos de classe média veem as coisas de modo diferente. Desiludidos e cínicos, eles estão frustrados por anos de alto desemprego, inflação que rebaixa incessantemente os padrões de vida e a corrupção generalizada.

E estão frustrados com um Estado amplamente considerado fossilizado e fora de alcance, uma mistura de economia quase socialista dominada pelos militares e o clero e instituições eletivas supervisionadas por órgãos religiosos conservadores, que têm a decisão final sobre a legislação e os candidatos a cargos políticos.

Os veteranos da revolução de 1979, como o aiatolá Khamenei, continuam no comando, reforçando uma rígida ideologia revolucionária e fazendo o possível para resistir às pressões por reformas. Sem uma geração mais jovem de líderes, o país também enfrenta uma iminente crise sucessória.

Enquanto os investidores estrangeiros teriam a intenção de fazer negócios, não está claro se eles ajudarão a iniciar um avanço econômico. Com poucas exceções, eles estão assinando memorandos de entendimento, e não contratos reais.

Muitos temem que o governo Trump possa penalizar os grandes bancos internacionais que decidirem fazer negócios com o Irã, se forem considerados em violação das sanções antinucleares dos EUA contra o país, que ainda vigoram.

Só os grandes bancos podem oferecer o financiamento em grande escala necessário para os projetos de infraestrutura geradores de empregos de que o Irã precisa desesperadamente.

O presidente Hassan Rowhani –que está concorrendo à reeleição contra, entre outros, Ebrahim Raisi, um favorito da linha-dura– esperava ter feito avanços sobre esses problemas agora.

Ele disputou em 2013 prometendo revigorar a economia forjando o acordo nuclear, pondo fim ou atenuando sanções que isolaram o Irã das finanças internacionais e abrindo o país a investimentos e ideias estrangeiros.

Ele realizou o pacto nuclear, mas os benefícios econômicos foram magros, no máximo. Em vez disso, os iranianos, muitos deles com formação superior, trabalham mais tempo só para pagar as contas.

'ESTAMOS RECUANDO'

Para Faraji, isso significa vender mel e açafrão a supermercados e ter uma loja de cosméticos. Para sobreviver em um mercado brutalmente competitivo, ele precisa ficar alerta para a polícia enquanto compra produtos contrabandeados, paga propinas, intimida os clientes que não pagam as contas e inventa esquemas para enganar donos de lojas a comprar seus produtos.

Ele se considera com sorte, em certos aspectos. Diz que evitou fazer contrabando pessoalmente ou recorrer a outras atividades ilegais, como vender bebida alcoólica ou organizar casamentos mistos, onde homens e mulheres dançam uns com os outros –tudo isso muito comum na economia subterrânea do Irã.

Em algumas tardes sua mulher vai encontrá-lo na loja. Senão, os dois quase nunca se veriam. "Eu vou dormir à 1h e saio de casa às 6h", disse Faraji.

Na maior parte do tempo, ele tenta não pensar em por que sua vida se tornou uma luta tão dura, afirmou. Mas no fundo ele sabe: "Tudo parou aqui. Estamos andando para trás, em vez de para a frente".

Mas ele votará em Rowhani, explicou, por ser "o candidato menos ruim para evitar uma situação ainda pior".

O Ministério do Trabalho do Irã conta como empregado todo iraniano que trabalha pelo menos uma hora por semana. Não há benefícios sociais para quem está desempregado há muito tempo, mas os trabalhadores demitidos têm seguro-desemprego.

Pelos números oficiais, que os economistas dizem que subestimam o problema, 8 milhões de iranianos estão sem emprego, e só a metade das mulheres instruídas do Irã conseguem trabalho.

Ao mesmo tempo, o governo, tentando fornecer algum tipo de rede de segurança em tempos econômicos difíceis, está engordando: emprega cerca de 8,5 milhões de pessoas, de uma população total de apenas 80 milhões. Mas esses empregos tão cobiçados são difíceis de conseguir para os iranianos mais jovens.

REFORMA AOS TRANCOS

Nem todo mundo está tão desgastado. Muitos na facção moderada e reformista do Irã são cautelosamente otimistas de que o país está mudando, embora aos trancos e barrancos e sempre sujeito a recuos da linha dura.

Um desses otimistas, Mahmoud Sadeghi, um ex-religioso e filho de um famoso aiatolá, hoje usa terno e gravata como membro do Parlamento e usa as redes sociais para denunciar a corrupção entre a elite dominante.

Nas eleições parlamentares de 2015, os reformistas e moderados ganharam uma pequena maioria, que usaram para atacar problemas como a corrupção que desanima as iniciativas econômicas.

Sadeghi e outros reformistas comentam que, principalmente fora do radar, o Irã mudou muito ao longo dos anos, de certas maneiras parecendo-se com muitas sociedades ocidentais.

Depois de aproximadamente 20 anos de internet, televisão via satélite e viagens ao exterior acessíveis, os iranianos tornaram-se mais sofisticados, educados e moderados e menos carolas.

Os líderes idosos do Irã foram obrigados a ceder terreno, tolerando mudanças que não podem mais evitar. Foram-se os dias em que a polícia patrulhava os telhados para remover antenas ilegais. A maioria dos iranianos hoje pode assistir a mais de 150 canais estrangeiros em língua persa, enquanto a televisão estatal, cheia de palestras de clérigos conservadores, é cada vez mais ignorada.

"Tivemos sucesso em trazer mudanças, de outro modo eu não estaria sentado no Parlamento", disse Sadeghi, referindo-se a sua posição como combatente da corrupção.

Em novembro, Sadeghi fez um discurso no Parlamento acusando o chefe do Judiciário, Sadegh Amoli-Larijani, de manter uma conta bancária secreta para receber fundos públicos desviados.

Depois do discurso, representantes do Judiciário tentaram prendê-lo, mas foram impedidos por dezenas de pessoas que se reuniram na frente da casa de Sadeghi para protegê-lo.

No entanto, a mudança para Sadeghi e muitos no establishment iraniano significa modificar a lei existente, e não reformar o sistema político e o establishment do Irã.

E essa mudança está parada. Por exemplo, em 2016 o Parlamento aprovou uma medida que teria tornado as mulheres elegíveis para altos cargos políticos, mas foi bloqueada pelo Conselho Guardião de 12 membros –hoje liderada por um linha-dura de 90 anos, o aiatolá Ahmad Jannati–, que revê todas as novas leis para garantir que sejam adequadamente "islâmicas".

As tentativas do Parlamento de facilitar para as mulheres obter o divórcio e dificultar para os homens assumir uma segunda mulher foram igualmente rejeitadas pelo conselho, que também aprova os candidatos em eleições.

Isso também tem consequências para a economia, pois leis obscuras aprovadas depois da revolução de 1979 continuam válidas, muitas vezes usadas por ideólogos ou autoridades inescrupulosas para minar empreendimentos que na maioria dos outros países seriam sucessos brilhantes.

Até empresas estabelecidas que sofreram durante os anos de sanções estão achando difícil recapturar os clientes perdidos. Para Bahram Shahriyari, 58, a perspectiva de levantar as sanções internacionais depois do acordo nuclear foi uma luz tênue no fim do que se tornou um túnel escuro.

Até que as sanções fossem impostas, ele tinha uma firma que fornecia peças e componentes para veículos novos e usados franceses Peugeot-Citroen, uma das marcas estrangeiras mais usadas no país. Em seu apogeu, quatro anos atrás, sua empresa tinha 400 funcionários e exportava peças para a França.

"Mas as sanções e a má administração de nossos líderes foram fatais", disse Shahriyari. Seu principal cliente, uma companhia de automóveis estatal do país, a Iran Khodro, parou de fazer pedidos porque tinha dificuldades para vender os carros. Em pouco tempo, seus cheques começaram a voltar, disse Shahriyari, e ele teve de dizer aos empregados que não podia mais pagar os salários.

A Peugeot-Citroen voltou ao mercado, reiniciando uma joint-venture existente mas lidando só com a Iran Khodro. Para Shahriyari, que perdeu seus empregados e clientes mais valiosos e ainda não consegue obter financiamento, é tarde demais.

"Um contato, um embaixador do Irã, certa vez me disse: 'Você tem de pagar o preço pelo progresso nuclear de nosso país'", disse ele. "Acredite-me, eu paguei."


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