Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Em um ano de Temer, diplomacia muda de trilho, mas faltam pontes

Michel Temer dedicou seu primeiro ano de governo a um realinhamento diplomático de baixo custo. Sem investir capital político em guinadas profundas ou arriscadas, trabalhou para enterrar os legados mais visíveis da política externa do PT.

Assim, o governo jogou todo seu peso para suspender a Venezuela do Mercosul, mas puxou o freio de mão antes de invocar a cláusula democrática ou expulsar o país do grupo.

O Planalto manteve contato apenas esporádico e de baixo perfil com a oposição venezuelana, e não engrossou o tom quando milhares de cidadãos do país vizinho atravessaram a fronteira.

Pedro Ladeira - 7.fev.2017/Folhapress
Michel Temer recebe o presidente argentino, Mauricio Macri, no Palácio do Planalto, em fevereiro
Michel Temer recebe o presidente argentino, Mauricio Macri, no Palácio do Planalto, em fevereiro

O Planalto trocou o que restava da retórica da diplomacia Sul-Sul por um pedido de acesso à OCDE, o clube de democracias industrializadas. Aproveitando o fim da década kirchnerista, Temer buscou relançar os laços com a Argentina, num jogo de pequenos passos, tamanhas as diferenças. "Macri é Snapchat, mas Temer é fax", explica um funcionário da Casa Rosada.

A tarefa de realinhamento do último ano foi facilitada por Dilma, que desmontou o trabalho diplomático de Lula na África, no Oriente Médio e na América Latina. Muito antes de Temer assumir o comando, a chamada "Diplomacia Altiva e Ativa" já virara slogan vazio.

Temer também reagiu na defensiva para controlar danos. Quando choveram denúncias contra o suposto "golpe", o presidente evitou revidar além da retórica. Não convocou seus embaixadores, nem adotou medidas econômicas punitivas contra Bolívia, Cuba, Equador, Venezuela ou a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Onde o presidente inovou foi na tentativa de dar resposta à crise de contrabando, narcotráfico e crime organizado na faixa de fronteira, nossa principal ameaça de segurança internacional e maior desafio diplomático na América do Sul.

Na área de comércio exterior, onde o governo fez grandes promessas iniciais, as limitações são patentes, em parte porque a economia mundial cresce pouco e o protecionismo ganhou força.

Mas não houve mutirão decidido para abrir a economia como forma de melhorar renda, emprego e produtividade. Tampouco foi criada uma estratégia para a Ásia, novo centro de gravidade de nossa dependência.

Apesar das revelações estarrecedoras da Lava Jato, Temer não lançou uma ofensiva diplomática para restaurar a confiança no país.

Isso poderá levar tempo porque o problema é profundo. Vale lembrar que este é o primeiro governo com chanceleres investigados por corrupção, lavagem de dinheiro, fraude em licitações e formação de cartel.

Quando se trata de política externa, o primeiro ano do governo Temer viu um realinhamento. O que não se vê ainda é ponte para o futuro.


Endereço da página:

Links no texto: