Folha de S. Paulo


Análise

Macron será primeiro presidente social-liberal da França

Christian Hartmann /Reuters
O presidente eleito da França, Emmanuel Macron, comemora a vitória com discurso para milhares de franceses no Louvre, em Paris
O presidente eleito da França, Emmanuel Macron, comemora a vitória em Paris

Embora apresentado como radicalmente inovador, o projeto político de Emmanuel Macron, o mais jovem presidente eleito da França, é uma síntese de três linhagens políticas do país.

A primeira é a centrista, que teve como expoentes Valéry Giscard D'Estaing (1974-81) e François Bayrou, aliado decisivo de Macron e figura-chave do seu futuro governo.

A segunda é a linhagem social-democrata modernizante, representada por Pierre Mendès-France e Michel Rocard, políticos que procuraram romper com os arcaísmos do Partido Socialista (PS).

A terceira é a dos políticos associados ao setor financeiro. Apesar de Macron, 39, ser um puro representante da elite da administração pública, sua trajetória tem a marca da passagem por um banco de investimentos, à imagem de Georges Pompidou, sucessor de Charles de Gaulle na Presidência, e Henri Emmanuelli, liderança histórica do PS.

Esta eleição deve, assim, ser lida como a chegada ao poder do primeiro presidente social-liberal da França.

Filho de servidores públicos na área de saúde em Amiens, cidade anônima do norte da Franca, Macron galgou toda a meritocracia republicana. Aluno excelente na escola local, terminou os estudos em Paris, no liceu Henri-IV, que acolhe os jovens brilhantes da escola pública.

Antes de partir para a capital, ele se envolvera com uma de suas professoras, Brigitte Trogneux, 24 anos mais velha. Ela deixou a carreira para seguir a seu lado e teve papel-chave na sua ascensão.

Macron sempre foi precoce. Ao concluir os estudos, tornou-se próximo de pensadores como Jacques Attali, um dos mentores de François Mitterand. Já no Banco Rothschild, ganhou a reputação de jovem lobo e a admiração de barões da economia local.

O presidente François Hollande se desdobrava em elogios e via nele um possível sucessor. Tudo acelerou quando ficou claro que a candidatura de Hollande ao segundo mandato estava falida. Macron então se lançou à Presidência sem o apoio de um partido e ganhou a aposta.

TEMPESTADE PERFEITA

A reorganização do sistema partidário, o declínio do Partido Socialista e a esperada retomada do motor franco-alemão da construção europeia ajudam a entender o que sua eleição desencadeia.

A extrema esquerda e extrema direita apresentaram-se como as principais forças de oposição. O centro-direita se dividiu quanto ao novo presidente, e o PS estava inaudível, como se todos os seus quadros desertassem.

Tendo em conta que os movimentos populistas terão de se adaptar à realidade da oposição parlamentar (a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, não tem nenhum deputado, e a Frente Nacional, de Marine Le Pen, tem três) Macron tem uma avenida para reativar o motor franco-alemão e dar ímpeto à UE.

Sua vitória dá força à reeleição de Angela Merkel na Alemanha, pois indica que a França cedeu e pôs fim ao ciclo de dissensão iniciado pela recusa em aderir à Constituição Europeia em 2005.

A década seguinte foi de ingovernabilidade crônica nas instituições europeias, para muitos, condenadas.

Neste domingo (7), ao caminhar na esplanada do Louvre para discursar como eleito, Macron escolheu a Ode à Alegria, de Beethoven, hino oficial da União Europeia. Quase um ano após "brexit", a UE volta a ser um trunfo para os líderes europeus.


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