Folha de S. Paulo


Questão indígena domina avaliação da ONU sobre direitos humanos no Brasil

Fabrice Coffrini - 18.nov.2008/AFP
Cúpula do Salão dos Direitos Humanos, na sede da ONU em Genebra (Suíça); Brasil será avaliado nesta sexta
Cúpula do Salão dos Direitos Humanos, na sede da ONU em Genebra (Suíça)

Diversos países questionaram o Brasil sobre as políticas públicas voltadas para os povos indígenas, tema que dominou a sessão desta sexta-feira (5) no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra (Suíça) que realizou a Revisão Periódica Universal do país.

É a terceira vez desde a criação do conselho, em 2006, que o Brasil é avaliado pelos Estados-membros da ONU. A revisão acontece a cada quatro anos e meio e, nela, o país avaliado deve apresentar um relatório que responda como implementou as recomendações feitas na revisão anterior.

Mais de 30 países, entre eles Alemanha, França, Austrália, Áustria e Rússia, fizeram recomendações ao Brasil para proteger os indígenas de todas as formas de violência e promover a demarcação de terras. A reunião ocorreu cinco dias após um ataque a índios do povo Gamela, no Maranhão, que deixou mais de dez feridos —um corre o risco de perder as mãos.

Segundo o relatório da ONU para esta revisão, "os riscos que enfrentam as populações indígenas são maiores do que nunca desde a adoção da Constituição de 1988". Entre esses riscos está a PEC 215, emenda constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas. A ONU recomenda a rejeição da proposta, que atualmente tramita na Câmara.

A ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, que representou o governo brasileiro na sessão, repudiou a "violência contra os povos indígenas" e afirmou que o governo está comprometido em dialogar com as comunidades para garantir a demarcação de terras indígenas.

Além da questão indígena, teve destaque entre os questionamentos dos países os ataques a defensores de direitos humanos no Brasil. No ano passado, a Comissão Pastoral da Terra registrou 61 mortes, 200 ameaças e 74 tentativas de assassinatos relacionadas a conflitos por terra e recursos naturais —números que estão no segundo pior patamar em 25 anos. Em 2017, 19 pessoas já morreram.

Também foram feitas recomendações ao Brasil em temas como a violência policial, o sistema carcerário e as consequências sociais e ambientais do desastre de Mariana, em Minas Gerais, após o rompimento de uma barragem de minérios em 2015.

Na sessão, o Brasil se comprometeu a reduzir a população carcerária em 10% até 2019 —segundo dados do Ministério da Justiça, havia 622 mil detentos no país em 2014.

O governo brasileiro disse ainda que, das 170 recomendações recebidas na Revisão Periódica Universal de 2012, 100 foram totalmente implementadas, 56 estão em processo de implementação, nove foram parcialmente implementadas e quatro não têm avaliação.

A falta de uma metodologia que explique como se deu essa classificação, no entanto, foi criticada por entidades de proteção aos direitos humanos. "Desde a última revisão, o Brasil acaba tendo de dar uma resposta que não é embasada", afirmou à Folha Camila Asano, coordenadora de política externa da ONG Conectas. Segundo ela, não foram apresentados indicadores sobre o acompanhamento dessas políticas públicas.

REPERCUSSÃO

Após a sessão, movimentos da sociedade civil realizaram um evento em Genebra para debater os resultados da revisão.

A Anistia Internacional avaliou de forma negativa o posicionamento do governo brasileiro. "Existe uma enorme lacuna no Brasil entre o discurso das autoridades e a realidade das violações de direitos humanos", disse à Folha a assessora de direitos humanos, Renata Neder.

"Entre o último ciclo da Revisão Periódica Universal, em 2012, e este, a situação de violação de direitos humanos no Brasil se agravou muito. O que a gente viu foi um aumento grave no quadro de violência na cidade e no campo, e uma deterioração do sistema prisional."

Neder citou, por exemplo, o aumento do número de homicídios cometidos pela polícia na cidade do Rio de Janeiro —de 419 em 2012 para 920 em 2016, segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, classificou de "cínica" a posição do governo brasileiro perante a ONU, lembrando que a agenda do ministro da Justiça, Osmar Serraglio, privilegia ruralistas e políticos investigados pela Lava Jato em detrimento de representantes indígenas.

O compromisso apresentado pelo Brasil no sentido de reduzir a população carcerária foi visto com ceticismo. Para Asano, da ONG Conectas, a meta foi apresentada de maneira "demagógica".

"Não há nada que indique que a política de encarceramento atual esteja mudando. Ao contrário: o Plano Nacional de Segurança apresentado pela ministra Valois como um 'êxito' apenas reforça a militarização que está na base do encarceramento massivo de jovens pobres e negros das periferias", disse Asano.


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