Folha de S. Paulo


Alta abstenção ou erros de Macron aumentariam chances de Le Pen

A Europa está feliz, os mercados, tranquilizados e o establishment francês mostra uma confiança renovada em que Marine Le Pen não será a próxima presidente da França. Mas a Frente Nacional, de extrema direita, ainda vê um caminho para a vitória em 7 de maio.

Membros da diretoria da FN dizem que pretendem fazer das duas próximas semanas um "choque de civilizações" entre os vencedores e os perdedores na globalização, entre as "elites" que apoiam o centrista independente Emmanuel Macron e os "patriotas" que apoiam Le Pen.

Pascal Pavani - 23.abr.2017/AFP
Cartazes da ultra direitista Marine Le Pen e do centrista Emmanuel Macron, em Valence d'Agen
Cartazes da ultra direitista Marine Le Pen e do centrista Emmanuel Macron, em Valence d'Agen

David Rachline, o diretor da campanha da FN, disse que mais eleitores sofreram do que ganharam com as políticas de livre mercado, pró-europeias, defendidas por Macron. "A população francesa é contra a globalização inflexível", disse ele.

De fato, apesar de Macron ter ganhado o primeiro turno, um total de 49% dos eleitores apoiou uma candidata contrária à União Europeia e a favor de mais nacionalismo econômico. "Sobre as questões reais, a população francesa concorda conosco", disse Rachline.

As pesquisas mostram que a FN enfrentará uma luta em desvantagem, prejudicada pela imagem tóxica do partido e temores sobre seus planos de retirar a França do euro.

Uma pesquisa Ipsos feita no final do domingo (23) concluiu que Macron venceria com 62% dos votos na decisão, em 7 de maio, contra 38% de Le Pen, enquanto os centristas se uniriam ao redor do ex-banqueiro de 39 anos. Esses números sugerem uma possível repetição da eleição de 2002, quando o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, chegou ao segundo turno, mas foi derrotado de maneira convincente enquanto a direita e a esquerda se uniam contra ele. Na época, Le Pen teve 17% no primeiro turno e apenas 18% duas semanas depois.

"Não é impossível que Marine Le Pen vença, mas algo radical teria de acontecer", disse Dominique Reynié, professor de ciência política no instituto Sciences Po, em Paris.

"Ela teria de mudar sua política sobre deixar o euro... ou Macron teria de cometer alguns grandes erros", disse ele. "Uma grande complacência do eleitorado também poderia dar nisso", acrescentou.
O meio político francês estava agitado ontem, tentando solidificar a liderança de Macron, com figuras da direita e da esquerda pedindo que a população vote em "qualquer coisa menos Le Pen".

Benoît Hamon, o candidato do Partido Socialista, e François Fillon, de centro-direita, disseram que não havia "outra opção" além de votar contra a extrema-direita. O presidente François Hollande também disse que votará em Macron.

Apesar disso, havia sinais de que os eleitores não sairão nos mesmos números por Macron como fizeram por Jacques Chirac contra Le Pen pai em 2002 –oferecendo à FN uma probabilidade estreita de vitória.

Para começar, o candidato derrotado de extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, se recusou firmemente a apoiar Macron, deixando uma réstia de esperança de que a FN consiga atrair alguns eleitores da esquerda dura, antissistema.

"Macron é nosso inimigo, é o inimigo da nossa classe", disse Thibault Lhonneur, um ativista de extrema-esquerda de 29 anos na festa de Mélenchon no dia da votação. "Macron é a regra dura de 3% de deficit, os baixos salários, menor proteção social e a uberização da sociedade. No local de trabalho, ele quer que sejamos concorrentes, e não colegas."

Florian Philippot, vice-presidente da FN, pediu ontem que os apoiadores de Mélenchon se unam atrás de Le Pen. "Vocês acham que eles [os eleitores de Mélenchon] querem uma desregulamentação total da economia? Vocês acham que eles querem ir além nesta União Europeia bancária e financeira?", disse ele à rede de televisão France 2.

Mesmo que os seguidores de Mélenchon não votem diretamente em Le Pen, sua abstenção generalizada poderia ajudar a líder de extrema direita. Geralmente, a alta abstenção ajuda a FN, pois seus apoiadores firmes têm maior probabilidade de votar.

Na twittersfera de esquerda, tem circulado o hashtag #SansMoiLe7Mai (Sem mim em 7 de maio), pedindo que as pessoas não votem. Em marchas na noite de domingo, muitos seguravam faixas que diziam "Nem um banqueiro, nem uma racista".

Gabriel, um seguidor de Mélenchon de 21 anos, disse que poderá votar em branco. "Temos a opção entre algo revoltante e um monstro", disse ele.

Na direita, há uma oportunidade ainda maior, com as pesquisas sugerindo que cerca de um terço dos eleitores de Fillon já dizem que votariam em Le Pen no segundo turno. Mais ou menos o mesmo número pretende se abster. Philippe Palluy, um empresário imobiliário aposentado de Lyon, disse: "Depois do chuveiro frio que tomamos [no domingo], vou tirar férias por 15 dias... vou me abster, pura e simplesmente".

Enquanto a "Frente Republicana" anti-FN que levou Chirac à vitória em 2002 parece frágil, Macron ainda é o claro favorito. A metade dos eleitores de Fillon e 60% dos de Mélenchon ainda dizem que vão apoiá-lo no segundo turno, segundo a Ipsos.

Macron estava tão confiante no domingo que passou a noite no elegante restaurante La Rotonde com amigos e celebridades, descartando as críticas da FN sobre como isso apenas mostrava que ele faz parte da "oligarquia".

Pelo menos para os analistas financeiros, porém, duas semanas é muito tempo na política. "A probabilidade de uma presidência Le Pen diminuiu, mas ainda não é nula", disse o analista do Deutsche Bank Marc de Muizon. Em uma eleição que surpreendeu os observadores a cada momento, um "possível novo escândalo, um forte desempenho em debate... ou a complacência do eleitorado" ainda poderão causar perturbação, disse ele.


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