Folha de S. Paulo


Universidades da China com ligações ocidentais têm expurgo ideológico

A China está aumentando a pressão contra as instituições educacionais, incluindo muitas que têm programas conjuntos com importantes universidades ocidentais, enquanto a campanha anticorrupção de tom ideológico do presidente Xi Jinping visa o meio intelectual do país.

Agentes da Comissão Central para Inspeção de Disciplina do Partido Comunista chegaram aos campi das 29 principais universidades chinesas em meados de março e continuarão lá, realizando inspeções até o início de maio. Presidentes de universidades e equipes de direção receberam ordens para ficar nos campi e cancelar viagens ao exterior, segundo duas pessoas que estão a par da situação.

Zhao Yuguo - 23.abr.2017/Xinhua
Estudante lê um livro na bilioteca da Universidade de Liaocheng, na província de Shandong, na China
Estudante lê um livro na bilioteca da Universidade de Liaocheng, na província de Shandong, na China

Além de evidências de corrupção no meio acadêmico, as equipes da Comissão de Disciplina buscarão exemplos de infrações à "disciplina política", inclusive problemas ideológicos e infiltração de "valores ocidentais" como a democracia e a liberdade de expressão.

Sob Xi Jinping, o Partido Comunista teve entre suas prioridades reavivar os ensinamentos marxistas-leninistas em educação.

A maioria das grandes universidades da China tem programas conjuntos ou centros de estudos montados em colaboração com universidades ocidentais, como as americanas Stanford, de Nova York, Duke e Cornell, e as britânicas de Nottingham e Liverpool.

Nos últimos anos, as universidades ocidentais correram para se estabelecer na China. Além de ser uma fonte de renda lucrativa, os programas conjuntos servem como instrumentos de marketing e recrutamento para atrair estudantes chineses, que em geral pagam taxas de matrícula bem mais altas do que seus colegas locais.

Mas o desejo de atrair estudantes chineses e atuar dentro da China muitas vezes se chocou com o compromisso tradicional com a liberdade acadêmica no Ocidente.

Em 2016 havia quase 330 mil chineses estudando nos EUA, em comparação com apenas 60 mil em 2000. Mais de 90 mil estudantes chineses frequentaram universidades britânicas em 2015.

Durante reuniões do partido no ano passado, Xi pediu que as universidades chinesas sejam "baluartes da liderança do partido" e integrem "trabalho ideológico" em todo o processo educacional. As autoridades do ensino pressionaram as universidades a parar de usar livros importados imbuídos de "valores ocidentais".

"A segurança política é a principal preocupação, e grandes fontes de ameaça que foram identificadas são universidades, advogados e grupos da sociedade civil. Sabemos o que aconteceu com os advogados e as ONGs. As universidades são um alvo mais recente", disse Fu Hualing, um professor de direito na Universidade de Hong Kong.

Desde que Xi assumiu o poder, em 2012, a maioria das ONGs independentes na China foi fechada e centenas de advogados foram detidos e assediados por defender dissidentes ou outros envolvidos em casos politicamente delicados.

Os últimos atos marcam a maior inspeção nas universidades chinesas desde 2012, mas a comissão visou anteriormente as autoridades universitárias por violações das regras de austeridade e crenças políticas dissidentes.

Uma inspeção em outubro na Universidade Shantou, na província de Guangdong, concluiu que ela deixou de evitar "infiltração religiosa ilegal". A escola tem a reputação de empregar professores estrangeiros e oferecer um currículo de caráter mais global.

Em uma aparente resposta às últimas inspeções, professores e estudantes das universidades de elite da China vêm realizando seminários, alguns deles muito divulgados, sobre os valores marxistas.

"Estamos constantemente reforçando e aumentando nosso trabalho ideológico", diz um estudante que é membro do partido na prestigiosa Universidade de Pequim, que tem programas conjuntos com a Sciences Po da França e a Escola de Economia de Londres e também abriga o Stanford Center e a escola de administração do HSBC.

A mão cada vez mais dura do Partido Comunista na educação e no "trabalho intelectual" na China também atingiu escolas secundárias ocidentais que vêm examinando oportunidades de negócios no país.

Shattuck-St Mary's, uma escola privada de Minnesota (EUA), abriu um programa internacional em um colégio secundário de Pequim em 2013, mas concluiu sua participação no último verão por causa do que os diretores descreveram como conflitos filosóficos e a "realidade de conduzir uma escola na China".

"Todos os cursos compulsórios chineses eram exigidos, todos eram dados em chinês por professores chineses e integrados ao nosso currículo geral", disse Nick Stoneman, diretor da Shattuck-St Mary's. "Ficou muito complicado."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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