Folha de S. Paulo


Laços entre países devem ficar a salvo de instabilidade política, diz Rajoy

Juan Medina - 30.ago.2016/Reuters
Spain's acting PM and People's Party (PP) leader Mariano Rajoy delivers a speech during an investiture debate at parliament in Madrid, Spain, August 30, 2016. REUTERS/Juan Medina ORG XMIT: JMG09
O prêmie espanhol, Mariano Rajoy, discursa no Parlamento, em agosto

Quando, em setembro, o presidente Michel Temer viajou à China para uma cúpula do G20, dias após sua posse, Mariano Rajoy foi um dos primeiros líderes internacionais a posar ao seu lado.

O premiê da Espanha, do conservador Partido Popular, foi criticado por deputados de esquerda em seu Congresso, que preferiam a condenação do impeachment de Dilma Rousseff. Mas, diz em entrevista por e-mail à Folha, "as relações internacionais devem estar a salvo de altos e baixos políticos".

Rajoy se reúne com Temer nesta segunda-feira (24) em Brasília, enquanto ambos os governos enfrentam denúncias históricas de corrupção.

"Seguimos com atenção tudo o que acontece no Brasil, mas com a tranquilidade que nos dá a solidez de suas instituições", afirma. "O importante é que os controles funcionem, que a Justiça seja independente e que os culpados sejam sancionados."

A visita de Rajoy é a primeira bilateral de um premiê espanhol desde que o socialista José Luis Rodríguez Zapatero reuniu-se com Lula em 2008. O ato consolida as suas afinidades com Temer.

Rajoy viaja na própria segunda para São Paulo a um encontro empresarial. No dia seguinte, ruma ao Uruguai.

*

Folha – Por que o sr. viaja ao Brasil neste momento?
Mariano Rajoy – Espanha e Brasil são países amigos que pertencem à comunidade ibero-americana. Nossos laços são sólidos e estáveis e as relações econômicas e comerciais são intensas e frutíferas. Eu gostaria de ter vindo antes, mas as circunstâncias não permitiram. Agora que a situação política foi desbloqueada, quis cumprir essa viagem pendente.

Pouco depois da transição no Brasil, o sr. foi um dos primeiros líderes globais a se encontrar com o presidente Michel Temer. Quis demonstrar apoio internacional?
A Espanha teve boas relações com todos os presidentes brasileiros e, obviamente, com o presidente Temer. Essa visita serve para deixar evidentes as boas relações entre os nossos países.

Na transição entre os governos de Dilma Rousseff e Temer, o sr. sofreu pressão por grupos parlamentares, como os deputados do Podemos (de esquerda), para condenar o impeachment. Como decidiu a sua posição?
As relações internacionais devem estar a salvo de um certo tipo de altos e baixos políticos. Nós, governantes, temos a obrigação de preservar a estabilidade dos nossos países mas também as nossas relações com o mundo.

Diz-se que havia divergências ideológicas entre o sr. e Dilma Rousseff. Temer é um melhor presidente para os interesses da Espanha?
Vou trabalhar para ter as melhores relações possíveis com o governo do presidente Temer, como fiz com sua antecessora. Como disse, as relações entre os países precisam estar por cima das afinidades políticas dos governos.

O Brasil é nosso terceiro destino para investimentos no mundo, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Somos o terceiro maior investidor no Brasil, atrás da Holanda e dos Estados Unidos.

No sentido contrário, o Brasil é o segundo investidor na Espanha de toda a América Latina. Tenho relações estupendas com governantes que não compartilham precisamente de minhas ideias políticas. Se as relações se reduzissem a se dar bem apenas com seus semelhantes, seria francamente frustrante. Temos a obrigação de buscar o interesse de nossos países.

Como lhe parece a situação política no Brasil? Houve diversas detenções de figuras políticas recentemente.
Seguimos com atenção tudo o que acontece no Brasil, mas com a tranquilidade e confiança que nos dá a solidez de suas instituições.

O importante é que os controles funcionem, que as instituições atuem, que a Justiça seja independente e que os culpados sejam sancionados. Devemos estar sempre atentos e dispostos a melhorar as leis para prevenir esses comportamentos.

Há expectativas quanto ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, em que a Espanha é o aliado mais importante do bloco sul-americano. O sr. levará novidades em sua viagem?
Acredito que este momento é bastante oportuno para dar um impulso a esse acordo comercial. A Espanha sempre defendeu na Europa a necessidade de se abrir à comunidade ibero-americana e ampliar nossas relações comerciais. Eu vejo agora na Europa uma maior disposição a negociar esse acordo.

Preocupa o sr. que empresas brasileiras envolvidas em esquemas de corrupção tenham negócios na Espanha?
Todos nos preocupamos enormemente pela corrupção. Mas o importante é que não haja impunidade, que as instituições funcionem, que os delitos sejam investigados e os delinquentes sejam obrigados a pagar.

Em todo caso, tenha a mais absoluta certeza de que se houver o menor indício de comportamento ilícito, será investigado até as últimas consequências.

Também há grandes empresas espanholas, como Santander e Telefonica, com interesses no Brasil e que foram afetadas pela crise. O sr. espera tratar desse assunto com o presidente Temer?
Apesar da difícil situação econômica pela qual o Brasil passou, as empresas espanholas mantiveram sua presença e interesse pelo país. Acho que é justo reconhecer sua contribuição à estabilidade, agora que estamos numa mudança de ciclo. Vamos analisar tudo isso em São Paulo.

A Venezuela, outro membro do Mercosul, passa por uma grande crise política. Houve tentativas espanholas de mediar a situação. Mas que papel real a Espanha pode ter nesse cenário?
A Espanha, como o resto dos países ibero-americanos, está muito preocupada com a situação na Venezuela e apoiamos todas as iniciativas que contribuam para buscar uma solução pacífica. Essa solução passa pela celebração de eleições livres o quanto antes possível e pela libertação dos presos políticos.

A Espanha, por afinidades históricas e culturais, está mais próxima da América Latina se comparada a outros países europeus. O sr. recebeu algum tipo de mandato, mesmo que informal, para representar a União Europeia nessa região?
De maneira alguma. Mas tanto Espanha quanto Portugal têm uma sensibilidade especial e nossa voz é escutada e atendida na Europa quando falamos sobre questões relacionadas à América Latina, como o acordo comercial com o Mercosul.

Centenas de milhares de brasileiros têm hoje dupla cidadania europeia. O sr. acredita ter alguma responsabilidade para garantir os direitos deles no Reino Unido depois do "brexit", a saída britânica da União Europeia?
O tema principal no "brexit", ao menos em seus primeiros momentos, será velar pelos direitos das pessoas.

Todos concordamos em oferecer as maiores garantias possíveis às pessoas para que não sejam prejudicadas pela decisão política.

A União Europeia terá outros desafios nestes anos, como os populismos. A próxima prova acontece neste domingo na França. Como parece ao sr. o futuro europeu, com a possibilidade de um governo Marine Le Pen?
Sou um europeísta convicto, como a maioria dos espanhóis. Confio que os franceses vão apostar por continuar construindo a Europa, como fizeram nos últimos 60 anos.

É claro que a Europa não pode ser entendida sem a França, mas a França, como todo o resto dos países-membros, só alcança sua autêntica dimensão no mundo globalizado como parte da Europa.

A crise alimentou no mundo os movimentos populistas, protecionistas e nacionalistas, mas não faz sentido dar marcha à ré na história.

A Espanha é uma exceção europeia, onde não há populismo de direita, ainda que haja de esquerda. Por quê?
A Espanha é um exemplo de sociedade integradora e tolerante. Não foram registrados fenômenos de xenofobia ou anti-imigração.

Nenhum partido alimenta esse tipo de mensagem e nenhum meio de comunicação dá incentivo a eles. Também contamos há anos com uma política migratória responsável. Isso tem um impacto.

Nessa questão, é tão grave dizer que todos os imigrantes vão ser expulsos como dizer que todos os que cheguem vão ser acolhidos. As duas posições são enganosas.

*

RAIO-X
Mariano Rajoy

Idade
62 anos

Formação
Direito, pela Universidade de Santiago de Compostela

Trajetória
— Primeiro-ministro da Espanha (desde dez.2011)
— Líder do conservador Partido Popular (desde 2004)
— Vice-primeiro-ministro (2000 e 2003)
— Ministro do Interior (2001-2002)


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