Folha de S. Paulo


China se esforça para lidar com Coreia do Norte, que considera caso perdido

Todos os dois trens-bala viajam de Pequim a Dandong, na fronteira chinesa com a Coreia do Norte, a uma velocidade de quase 250 km/h. Se a linha seguisse adiante em direção sul, os trens poderiam chegar a Pyongyang em uma hora e a Seul em duas.

Ligações ferroviárias internacionais desse tipo são planejadas com os países vizinhos da China na Ásia do sudeste e central, mas em Dandong elas ainda não passam de um sonho, à medida que as tensões sino-americanas crescem em torno dos programas nuclear e de mísseis da Coreia do Norte.

Aly Song - 14.abr.2017/Reuters
Agricultores norte-coreanos em plantação são vistos do lado chinês do rio Yalu que divide os dois países
Agricultores norte-coreanos em plantação são vistos do lado chinês do rio Yalu que divide os dois países

Em uma visita que fez na segunda-feira à zona desmilitarizada que separa as duas Coreias, o vice-presidente americano, Mike Pence, pediu a Pequim que use as "alavancas extraordinárias" que supostamente possui para influenciar o regime de Kim Jong-un, em Pyongyang.

Uma dessas alavancas fica a pouca distância a pé da estação ferroviária de alta velocidade de Dandong. Construída pelo Exército Imperial do Japão em 1943, a ponte de Amizade sobre o rio Yalu é uma das garantias de subsistência econômica de Kim.

Apesar da aparente obediência da China às sanções impostas pela ONU sobre exportações norte-coreanas seletas, como o carvão, o volume do comércio da China com seu vizinho isolado cresceu quase 40% no primeiro trimestre deste ano, refletindo a alta acentuada nos preços globais das commodities.

Cerca de 70% do comércio norte-coreano com a China passa por Dandong, principalmente por caminhão ou trem passando sobre a ponte da Amizade. Na terça e quarta-feira a maior parte do tráfego seguia da Coreia do Norte para a China, com um fluxo moderado mas constante de caminhões de contêineres e pelo menos um trem de carga, com sua carga oculta por lonas de plástico, atravessando a fronteira.

Se Pequim quisesse pressionar Pyongyang, a ponte de Amizade seria um ponto de estrangulamento evidente. Mas as autoridades chinesas continuam relutantes a fazê-lo, apesar da sugestão feita na semana passada pelo presidente americano Donald Trump que sua administração não designaria Pequim "manipuladora monetária" pelo fato de que a China está ajudando a colocar pressão sobre a Coreia do Norte.

Trump havia sugerido anteriormente que seu colega chinês Xi Jinping havia explicado a ele, durante o encontro dos dois presidentes na Flórida, a dificuldade que Pequim tem em influenciar Pyongyang.

Autoridades chinesas dizem que o presidente americano superestimou a influência delas e que a disposição expressa por sua administração em considerar opções de ação militar é contraproducente.

"Não gostamos do regime norte-coreano nem de Kim Jong Un", diz um acadêmico chinês e assessor sênior de política externa, estreitamente ligado a instâncias decisórias de Pequim.

"Mas se [Pyongyang e Washington] continuarem a confrontar-se, mesmo que emocionalmente, isso vai atrapalhar a busca de uma solução para o problema. A China é quem mais sofreu com as sanções. Somos nós que estamos fazendo o maior sacrifício. Mas a preocupação principal da Coreia do Norte é a segurança, algo que só pode ser oferecido pelos Estados Unidos."

Susan Thornton, a secretária-assistente de Estado interina, disse esta semana que, embora Washington "definitivamente não esteja procurando conflito ou uma mudança de regime...estamos determinados a defender nosso povo e nossos aliados, se for preciso".

As autoridades chinesas consideram que sanções mais duras apenas aprofundariam a disparidade de desenvolvimento entre a Coreia do Norte e a China, que elas prefeririam ver diminuir.

É essa a razão de sua proposta de "uma suspensão em troca de uma suspensão", pela qual Pyongyang suspenderia seus testes nucleares e de mísseis, enquanto Washington e Seul interromperiam seus exercícios militares conjuntos. Representantes dos EUA e da Coreia do Sul rejeitaram a proposta.

"Não ouvimos nenhuma ideia melhor", comentou um diplomata chinês, suspirando. "Ouvimos apenas críticas dos sul-coreanos e americanos. Mas a história já demonstrou que sanções não são capazes de resolver o problema."

Cui Zhiying, especialista em política externa na Universidade Tongji, em Xangai, pondera que "a China já fez muito para tentar persuadir a Coreia do Norte a não desenvolver armas nucleares. Não fosse pela China, a situação seria muito pior e ainda mais imprevisível. Mas a Coreia do Norte é um país soberano. Ela não ouve a China antes de tomar cada decisão."

FRONTEIRA

A disparidade de desenvolvimento que tanto preocupa as autoridades chinesas estava plenamente visível em outra ponte em Dandong, mais ou menos dez quilômetros rio abaixo do centro da cidade.

Enquanto a ponte da Amizade é vista oficialmente como um monumento ao relacionamento entre China e Coreia do Norte, "tão estreito quanto o dos lábios e dentes", forjado durante sua aliança contra os EUA e a Coreia do Sul na Guerra da Coreia, a ponte do rio Yalu é indicativa das frustrações mais recentes de Pequim com seu aliado.

A ponte rodoviária de quatro pistas, que custou US$ 320 milhões (R$ 992 milhões), foi concluída em 2013, custeada pela China, e sua construção levou dois anos.

Tanto a ponte quanto um prédio alfandegário chinês de 25 andares continuam fechados, inutilizáveis devido à ausência de estradas na Coreia do Norte que cheguem até ela.

"Os norte-coreanos nos ludibriaram", diz Li Bo, um morador local. "Como parceiros econômicos, são um caso perdido. Dandong não pôde se desenvolver plenamente porque a situação na Coreia do Norte é tão caótica."

O plano original era que a ponte do rio Yalu e a zona alfandegária e logística de Guo Men (Portal da Nação) receberiam um fluxo diário de 20 mil veículos, 50 mil pessoas e 60% do comércio sino-norte-coreano.

Hoje o lado chinês da ponte é uma zona militar fechada com barricadas de arame farpado. Janelas caídas do prédio alfandegário abandonado não foram substituídas.

Mais ao sul, o contraste entre os dois países nominalmente comunistas é ainda mais marcante, com soldados norte-coreanos armados patrulhando alagados e vilarejos miseráveis, de um lado, a pouca distância de turistas chineses e pessoas fazendo cooper, do outro. A presença militar chinesa em Dandong é quase invisível.

A atitude intratável da Coreia do Norte em relação até mesmo a projetos tão evidentemente benéficos quanto o da ponte do rio Yalu deixou uma impressão profunda sobre as autoridades chinesas.

"A Coreia do Norte é um país especial e não vai cair facilmente", avisa o acadêmico chinês e assessor de política externa.

"Ela tem uma coesão e força de vontade muito fortes. As pessoas deveriam pensar duas vezes antes de dar um salto militar. A Coreia do Norte não é a Síria, o Iraque ou a Líbia. Haveria caos no nordeste da Ásia como um todo. Se isso acontecer, o sonho de Trump de tornar a América grande outra vez não vai passar de um sonho."

Tradução de CLARA ALLAIN


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