Folha de S. Paulo


Análise

Família Trump tenta se desviar das acusações de nepotismo

A carreira política de Donald Trump gira em torno de reescrever as regras da política, violar normas tradicionais que a elite diz que ele precisa acatar, e em seguida esperar que sua base política saia em sua defesa quando ele as desrespeita.

A mais recente violação envolve as normas sobre nepotismo. E os Trump estão realmente forçando a barra quanto a isso.

Trump agora apontou tanto sua filha, Ivanka, quanto seu genro, Jared Kushner, para postos importantes na Casa Branca —apesar dos alertas de organizações de vigilância quanto à possibilidade de que isso constitua violação de regras contra o nepotismo que vigoram desde a época do presidente John Kennedy e seu irmão, Robert (que foi secretário da Justiça).

E o principal encarregado de defender essas decisões é outro dos filhos do presidente, Eric Trump.

Mike Segar - 7.jun.2016/Reuters
Donald Trump fala em comício em Nova York ao lado de sua filha Ivanka e do genro, Jared Kushner
Donald Trump fala em comício em Nova York ao lado de sua filha Ivanka e do genro, Jared Kushner

Na semana passada, Eric Trump disse à revista "Forbes" que o nepotismo é simplesmente "um fator da vida". Ele acrescentou que "podemos ter chegado até aqui por causa do nepotismo mas não continuamos aqui por nepotismo. A verdade é que se não estivéssemos fazendo um bom trabalho, se não fôssemos competentes, pode acreditar que não estaríamos nessa posição".

Eric Trump foi ainda além em uma entrevista recentemente publicada pelo jornal britânico "Telegraph", dizendo que o nepotismo é na verdade "uma coisa bonita".

"Isso é nepotismo? Com certeza", ele disse. "E é uma coisa bonita? Com certeza também. Os negócios de família são uma coisa bonita. O mesmo se aplica a Ivanka."

Eric Trump também sugeriu que um parente como Ivanka Trump seria mais franco com seu pai do que outros assessores, que podem ceder à tentação de bajular. "Creio que a presença de alguém da família oferece um interlocutor menos convencional do que as 37 pessoas que podem estar em volta de uma mesa e que só querem apaziguar o presidente, naquele momento", ele disse.

Donald Trump mesmo também defendeu o nepotismo —se bem que uma década atrás. Em entrevista com Larry King em 2006, Trump declarou abertamente que "gosto do nepotismo".

Ele acrescentou que "acho que muita gente diz que, oh, nepotismo. Em geral são pessoas sem filhos. Mas eu gosto de nepotismo".

Trump tampouco expressou desaprovação ao nepotismo em um episódio do programa jornalístico de TV "20/20" dedicado ao tópico, em 2004.

"A verdade é que sempre vai existir nepotismo, quer o nepotismo da amizade, quer o dos filhos", disse Trump. "É assim que o mundo funciona."

Em 2009, Ivanka admitiu em entrevista à rede ABC que ela se beneficiou do nepotismo. "Creio que o nepotismo sem dúvida abriu as portas para mim. Seria tolice dizer o contrário. Mas se eu não estivesse desempenhando minhas funções de uma maneira que me satisfaça, não ficaria na organização."

E em 2006, quando ela foi trabalhar com o pai no reality show "The Apprentice", Ivanka disse à CNN que "quando as pessoas afirmam que é nepotismo trabalhar para ele... bem, eu seria tola em não fazê-lo. O ramo em que estou é assim. É o que eu amo fazer. Trabalhei por um ano com outro incorporador de imóveis, mas a verdade é que eu não consegui resistir à atração e ao sex appeal dos projetos em que estamos trabalhando".

De certa forma, essas são respostas que deveríamos esperar de um pai e seus filhos que se envolveram em toda forma de nepotismo e não têm como negar o fato. Mas dizer que o nepotismo é "bonito" e que na verdade traz benefícios é realmente testar os limites daquilo que é aceitável em termos políticos e sociais.

Não que isso seja surpresa, da parte do presidente e de seus filhos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: