Folha de S. Paulo


Para opositor, é hora de aproveitar momento que fez chavismo recuar

O vice-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Freddy Guevara, considera que a pressão dos países vizinhos e a crítica da procuradora-geral do país, Luisa Ortega Díaz, levaram a Justiça a revogar as decisões que tiravam poderes do Legislativo, dominado pela oposição.

"Na medida em que a situação se complica, pode ser que o que não funcionou antes funcione agora. Por isso consideramos que o momento político e uma boa pressão nacional e internacional, além das pessoas nas ruas podem levar a um movimento que consiga as mudanças que nos faltam", disse, em entrevista à Folha nesta segunda-feira (3).

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
O vice-presidente da Assembleia Nacional, Freddy Guevara, opositor do chavismo, fala em Caracas
O vice-presidente da Assembleia Nacional, Freddy Guevara, opositor do chavismo, fala em Caracas

O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado por aliados do presidente Nicolás Maduro, cancelou no sábado (1º) as sentenças que lhe davam poder de legislar e acabava com a imunidade parlamentar dos deputados.

A determinação de quinta-feira (30) levou o Mercosul a ativar a cláusula democrática contra a Venezuela no sábado e os países da OEA (Organização dos Estados Americanos) a aprovar nesta segunda uma declaração que é vista como o primeiro passo para que o país caribenho seja suspendido por violar a Carta Democrática Interamericana.

A surpresa, porém, veio no dia seguinte quando Luisa Ortega Díaz, indicada por Hugo Chávez (1954-2013) em 2007, disse que houve uma ruptura constitucional. Horas depois, o presidente Nicolás Maduro convocou o Conselho de Defesa do Estado, que decidiu cancelar as sentenças.

Para Guevara, o recuo do governo chavista, que o deputado chama de ditadura, deve aumentar a tensão e a repressão das forças de segurança a ponto de chegar a uma situação explosiva.

"Isso é um coquetel molotov, a mistura de um povo irritado e com fome e um governo que têm divisões internas, uma crise estrutural e uma comunidade internacional que condena as violações dos direitos humanos."

Ele considera um sinal da divisão do chavismo o silêncio das Forças Armadas, que ainda não se manifestaram sobre a decisão do TSJ. "O comum aqui era que qualquer loucura do governo fosse apoiada imediatamente pelos militares. Agora isso não aconteceu."

O legislador será um dos dirigentes da oposição que participará do protesto desta terça-feira (4) em Caracas e que, horas depois, pretende votar a destituição de membros do TSJ que estiveram envolvidos na decisão que tirou poderes do Legislativo.

Mesmo aprovada, a medida dificilmente se aplicará porque a Justiça ainda considera a Assembleia Nacional em desacato por ainda estarem empossados os três deputados que tiveram seus mandatos impugnados. Guevara vê, no entanto, a votação como parte da pressão contra Maduro.

ATAQUES

O vice-presidente da Assembleia Nacional conversou com a reportagem depois de gravar um vídeo pedindo a seus seguidores nas redes sociais que participem do protesto. Outros colegas dele fizeram o mesmo nas ruas venezuelanas desde sábado.

Nesta segunda, o deputado opositor Juan Resequens foi agredido por militantes chavistas ao pedir apoio em Caracas. Para Freddy Guevara, a violência foi um dos fatores pelos quais a maior parte dos manifestantes deixou as ruas.

Por outro lado, reconhece parte da culpa da oposição, que se dividiu em relação ao diálogo com o governo mediado pelo Vaticano. "Parte da população sentiu ter levado um balde de água fria quando opositores participaram do diálogo."

Também concorda que uma parcela dos manifestantes pode ter se desiludido após o revés no processo que levaria ao referendo para revogar o mandato de Maduro.

As etapas da coleta das assinaturas necessárias para a consulta, que levou quase 2 milhões de pessoas a darem seu apoio, foram postergadas pelo Conselho Nacional Eleitoral. A proposta foi sepultada em outubro, quando o TSJ invalidou as firmas de 4 dos 23 Estados por suspeita de fraude.

"Agora cabe a nós levantarmos, ficarmos de pé e lembrarmos que somos maioria e que temos a razão. E retomar a mobilização."


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