Folha de S. Paulo


Não vai ser fácil para Trump causar danos ao ambiente, diz especialista

O decreto assinado pelo presidente Donald Trump, que anula medidas ambientais de seu antecessor, Barack Obama, foi recebido com uma chuva ácida de críticas por parte de ambientalistas e com a previsível aprovação de empresas ligadas à exploração de combustíveis fósseis.

"As medidas são ruins para o país e para mundo, mas não vai ser tão fácil Trump causar o estrago que ele pretende", diz Steve Schwartzman em entrevista à Folha.

Carlos Barria/Reuters
O presidente Trump mostra decreto assinado que revisa política ambiental de Obama, em Washington
O presidente Trump mostra decreto assinado que revisa política ambiental de Obama, em Washington

O antropólogo, que já trabalhou no Brasil, é um dos diretores do Fundo de Defesa Ambiental, uma das maiores organizações ambientalistas dos EUA e do mundo, com 2 milhões de associados e um staff de 550 cientistas.

Além da já anunciada batalha judicial em torno do decreto de Trump, Schwartzman afirma que muitos Estados, como a Califórnia, manterão programas de corte de emissões de gases e de exploração de energia renovável. Além disso, fontes alternativas têm se revelado mais baratas em diversas regiões do país.

*

Folha - As medidas de Trump representam um recuo em relação a compromissos que os EUA assumiram na área ambiental. Há risco de o país abandonar o Acordo de Paris, que prevê cortes nas emissões?
Steve Schwartzman - O ataque de Trump às políticas de Obama é um grande retrocesso e aumenta o risco de catástrofes climáticas no mundo. O problema maior não é se os EUA saem ou não do Acordo de Paris, já que, para conter o aquecimento abaixo dos 2 graus, patamar que a ciência indica como o mínimo necessário, todos os países precisam cumprir tudo assinado em Paris –e ainda assumir metas mais ambiciosas. O governo Trump certamente não fará isso. Essa política terá custo grande para os EUA, em termos de perda de credibilidade e liderança. Fará a influência do país diminuir e a da China aumentará. Os EUA podem perder espaço e competitividade no campo das tecnologias de baixo carbono e energia renovável. É uma política troglodita, ruim para os EUA e para o mundo.

Apesar da tentativa do presidente de aumentar o investimento em carvão e combustíveis fósseis, com o argumento de ampliar a oferta de empregos, o fato é que boa parte do mercado já investe no desenvolvimento de fontes renováveis. Isso não é irreversível?
O próprio CEO da maior empresa carvoeira privada nos EUA, a Murray Coal, disse que Trump precisa redimensionar sua expectativa de aumento de empregos na mineração de carvão. Não há como isso acontecer em escala relevante. O carvão está em franco declínio, por motivos que nada têm a ver com regulação ambiental, mas com a queda dos custos do gás natural e outras fontes renováveis, que em muitas regiões dos EUA já são menores do que os custos do carvão. E a indústria carvoeira está num processo secular e irreversível de mecanização. As centenas de milhares de ex-mineiros de carvão precisam de alternativas novas, não de mais demagogia.

Ao que tudo indica haverá uma batalha judicial em torno do decreto.
Sim, é mais do que provável que o governo Trump enfrentará duros questionamentos na Justiça. Para começar, todas as políticas que ele quer desmanchar resultaram de extensos processos regulatórios que envolveram longas consultas públicas. Nenhum presidente pode simplesmente desfazer essas políticas com uma canetada –ele teria que fazer o processo inverso, com o devido espaço e tempo para consulta pública, e demonstrar por que o país não precisa mais da regulação. No caso da política de mudança climática, a Suprema Corte já decidiu que cabe à Agência de Proteção Ambiental regular emissões dos gases que provocam o efeito estufa, por ameaçarem a saúde dos americanos. O governo precisaria apresentar uma alternativa. Se não é o plano do Obama, o que será?

Vários Estados americanos têm leis e programas ambientais próprios que devem ser mantidos. Isso não minimiza os efeitos do decreto?
Temos 29 Estados com políticas de apoio à energia renovável, maior eficiência nos combustíveis para transportes e outras do gênero, e nenhum disse que vai desistir. Ao contrário, 18 procuradores estaduais decidiram ir à Justiça defender o plano de Obama. O governador da Califôrnia, que é a sexta maior economia do mundo, disse claramente que o Estado não vai recuar em nada. Falou que se Trump, por exemplo, desativar satélites de monitoramento de mudança climática, a Califórnia vai lançar seu próprio satélite. As políticas de Trump são ruins para o país e o mundo, mas não vai ser tão fácil fazer o estrago que ele pretende.

O presidente também prevê cortes de verbas para programas ambientais. Que danos isso pode causar?
Os cortes vão diminuir a capacidade do governo de defender a saúde das pessoas e o ambiente, e isso vai prejudicar também populações rurais carentes que votaram em Trump. Podemos esperar pior qualidade da água e do ar, mais casos de envenenamentos por tóxicos, mais doenças respiratórias, principalmente nas regiões de menor renda.
O problema vai além da área ambiental, já que o plano do governo corta também programas de saúde pública e de pesquisa médica. É o que se poderia esperar de um presidente que defendeu tirar o seguro de saúde de milhões de americanos para cortar o imposto de renda de um punhado de bilionários.


Endereço da página: