Folha de S. Paulo


Após ataque, Londres aumenta a pressão contra uso de criptografia

Autoridades do governo britânico se reunirão com representantes de empresas tecnológicas dos Estados Unidos nesta semana para pedir que elas ajudem mais no combate ao terrorismo e ao discurso de ódio na internet.

É a última medida em um movimento global contra a tecnologia de criptografia, que bloqueia o acesso às mensagens privadas, tanto de criminosos quanto de usuários inocentes.

A reunião, marcada para esta quinta-feira (30), ocorre depois que Amber Rudd, secretária do Interior do Reino Unido, disse que os órgãos de inteligência do país deveriam ter acesso às mensagens codificadas enviadas pelo WhatsApp, serviço de mensagens instantâneas de propriedade do Facebook.

Seus comentários são uma reação ao ataque terrorista da última quarta-feira (22) em Londres, quando Khalid Masood, um britânico de 52 anos, atropelou com um carro vários pedestres, matando três deles, e depois matou a facadas um policial.

A facção terrorista Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque, mas sua conexão exata com Masood não está clara.

A polícia de Londres disse na segunda-feira (27) que está se concentrando nas comunicações de Masood, e repetiu um pedido para que alguém que o conheça se apresente para dar pistas.

"Houve muita especulação sobre com quem Masood teve contato imediatamente antes do ataque", disse em um comunicado Neil Basu, comissário assistente da polícia.

Basu acrescentou que as comunicações de Masood no dia do ataque continuam tendo grande interesse, e pediu que moradores de Londres apresentem qualquer informação que tenham sobre suas atividades ou seu estado mental.

O método de Masood "parece se basear em técnicas pouco sofisticadas, de baixo custo e baixa tecnologia, copiadas de outros ataques", lembrando os pedidos do Estado Islâmico por ataques contra policiais e civis, disse Basu. Mas "nesta etapa não tenho evidências de que ele falou sobre isso com outras pessoas", acrescentou.

"Eu sei quando, onde e como Masood cometeu suas atrocidades", afirmou Basu, "mas agora preciso saber por quê. Mais importante, as vítimas e as famílias também precisam".

Depois de vários ataques terroristas na Europa e em outros lugares, os legisladores e reguladores da região, assim como alguns de seu homólogos nos EUA, agora querem que as companhias do Vale do Silício façam mais para atacar potenciais ameaças.

Para muitos legisladores, isso inclui a abertura de serviços como WhatsApp e Telegram, uma ferramenta de mensagens rival, aos órgãos de inteligência do país quando investigam atividades terroristas.

"Queremos que eles reconheçam que têm uma responsabilidade de se envolver com o governo, envolver-se com as agências policiais quando há uma situação terrorista", disse Rudd à BBC no domingo (26), referindo-se às companhias de tecnologia. "Elas não podem se safar dizendo 'estamos em uma situação diferente'. Não estão."

As companhias tecnológicas e defensores dos direitos digitais disseram que tais iniciativas infringiriam os direitos humanos, porque dar às autoridades acesso aos serviços de mensagens exigiria enfraquecer seus níveis gerais de criptografia. Isso, afirmam eles, deixaria as pessoas que usam esses serviços vulneráveis a desconhecidos.

Lena Pietsch, uma porta-voz do Facebook, disse em um e-mail: "Estamos horrorizados com o ataque cometido em Londres", e acrescentou que a empresa está "cooperando com a polícia".

A medida dos legisladores britânicos é o último esforço na Europa de policiar como as gigantes da internet operam na rede. Neste mês, um ministro alemão, Heiko Maas, disse que apresentará nova legislação que poderá multar as companhias tecnológicas em cerca de US$ 50 milhões se elas não reprimirem o discurso de ódio disseminado em plataformas digitais como Facebook, Twitter e YouTube.

Várias marcas e anunciantes de alto perfil retiraram recentemente seus anúncios desses serviços on-line, depois que o material publicitário foi exposto ao lado de potencial discurso de ódio.

As autoridades britânicas, entretanto, estão dando um passo além. Ao exigir que as agências de inteligência possam ler mensagens criptografadas, Rudd reitera antigos planos de ganhar mais controle sobre os serviços digitais.

No ano passado, o país aprovou uma lei que dá à polícia mais poderes para fazer as companhias de telecomunicações e tecnologia entregarem informação digital relativa a operações de inteligência.

A lei também exige que as empresas de telecomunicações abreviem os protocolos de criptografia, quando possível, para ajudar em investigações.

Nos EUA, as autoridades fizeram pedidos semelhantes. O FBI pediu que a Apple destrave o iPhone usado por um dos atacantes que mataram 14 pessoas em San Bernardino, na Califórnia, em dezembro de 2015. A Apple resistiu, e mais tarde o FBI disse que encontrou uma maneira de destravar o telefone sem a ajuda da empresa.

As companhias tecnológicas dizem que não podem entregar essa informação porque as mensagens na internet são enviadas por meio da chamada criptografia de ponta a ponta.

Essa tecnologia mistura as mensagens para torná-las indecifráveis a qualquer pessoa que não seja o destinatário original. Ela também torna as mensagens ilegíveis quando passam pelo servidor do aplicativo, o que significa que as empresas não têm a capacidade de fornecer essa informação à polícia mesmo que quisessem.

Se tal tecnologia for enfraquecida, dizem seus defensores, os governos e hackers poderão ter acesso a mensagens criptografadas, reduzindo a capacidade das pessoas de se comunicar privadamente on-line.

"Obrigar as empresas a colocar entradas dos fundos em serviços de criptografia tornaria milhões de pessoas comuns menos seguras on-line", disse Jim Killock, diretor-executivo do Open Rights Group, uma organização britânica de direitos civis. "Todos dependemos da criptografia para proteger nossa capacidade de nos comunicar, fazer compras e transações bancárias em segurança."


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