Folha de S. Paulo


Educação vira tema político em ano eleitoral na Argentina

Juan Mabromata - 1º.mar.2017/AFP
Argentina's Education Minister Esteban Bulrich attends the inauguration of the 135th period of ordinary sessions at the Congress in Buenos Aires on March 1, 2017. / AFP PHOTO / JUAN MABROMATA ORG XMIT: MAB652
O ministro argentino da Educação, Esteban Bullrich

Não muito longe do escritório de Esteban Bullrich, 47, no Ministério da Educação da Argentina, na região central de Buenos Aires, cerca de 400 mil pessoas (segundo organizadores) participaram de uma marcha que culminou, na última quarta-feira (22), num ato na Praça de Maio, diante da Casa Rosada, sede do governo.

Os manifestantes eram professores do sistema estatal que há mais de três semanas realizam greves e atos que vêm atrasando o início do ano escolar em várias províncias. O movimento se transformou no principal problema político atual do presidente Mauricio Macri. "É algo que não me deixa dormir", desabafou o mandatário a um programa de televisão no último sábado.

Não é por menos. Num momento em que diversos sindicatos organizam uma greve geral para o próximo dia 6, por conta dos 40% de inflação, do salto do desemprego a 8% e do aumento das contas de água e eletricidade, a imagem de professores nas ruas com cartazes dizendo "não somos escravos" não ajuda em nada a melhorar a imagem da gestão.

Desde o início do ano, a expectativa dos argentinos em relação ao governo caiu dez pontos, para 49%, e a imagem pessoal de Macri, 4, para 53% segundo o instituto Isonomia.

Os professores pedem um aumento salarial de 35%, próximo ao índice da inflação, mas o Estado fixou o teto do reajuste em 18%. Hoje, o salário mínimo de um docente do sistema estatal na Argentina é de 9.672 pesos (R$ 1.940).

"Estou otimista quanto à resolução deste conflito salarial e mantendo o foco nas nossas metas", disse Bullrich à Folha, em entrevista realizada em seu gabinete.

A toque de caixa e sob as ordens de Macri, o ministro da Educação argentino apresentou o resultado da sondagem Aprender, realizada em todo o país, com a finalidade de avaliar o nível dos estudantes argentinos.

Também anunciou um projeto de lei a ser levado ao Congresso que estipula 180 metas para o setor. Entre elas, a ampliação da jornada escolar (de 4 a 6 horas), o ensino de mais idiomas, a acessibilidade à internet e uma melhor formação dos docentes.

Há uma avaliação por parte do governo de que, se o conflito com os professores não for resolvido logo, isso pode prejudica-lo nas eleições legislativas de outubro, em que se renova boa parte do Congresso.

"Estamos aumentando os investimentos na área de educação em 40%", explica Bullrich. Isso sem elevar a porcentagem destinada à área no orçamento nacional, que é de 6%.

Eitan Abramovich - 22.mar.2017/AFP
General view of Plaza de Mayo square where teachers demonstrate during a 48-hour nationwide strike demanding pay rises, in Buenos Aires on March 22, 2017. / AFP PHOTO / EITAN ABRAMOVICH ORG XMIT: EAS1115
Protesto de professores na Praça de Maio, em Buenos Aires, no dia 22

"O valor estabelecido sempre foi este, mas, durante o kirchnerismo, não foi respeitado. Parte desse recurso era desviado por autoridades locais a outros fins. Agora vamos ter certeza de que o recurso irá apenas para a educação. Isso bastará para implementar as metas", afirmou.

Perguntado sobre como via os ajustes propostos pelo governo brasileiro para enfrentar a crise –como o que abre margem ao congelamento dos investimentos em educação por 20 anos– Bullrich disse: "Congelar o investimento na educação, num país que busca crescer, é congelar o crescimento e o progresso. Não falo só do Brasil, vale para qualquer país."

Bullrich foi secretário de educação em Buenos Aires —que tem status de província— quando Macri era chefe de governo da capital. A cidade destoa positivamente na avaliação escolar do resto do país. Já os resultados gerais da pesquisa Aprender, Bullrich qualifica como "preocupantes".

"Em matemática, 7 de cada 10 alunos argentinos que terminam o ensino médio têm desempenho abaixo do satisfatório, e metade dos estudantes do país têm problemas para compreender um texto", afirma.

E acrescenta, "isso num país como o nosso, que foi referência para presidentes dos EUA, que exportou modelos de educação e que é o país latino-americano com mais prêmios Nobel na área científica (três) é algo que nos envergonha". De fato, as políticas educacionais implementadas no fim do século 19 fizeram da Argentina uma referência na região e um dos países pioneiros em erradicar o analfabetismo, antes mesmo de muitos da Europa. Com as sucessivas crises econômicas a partir dos anos 1970, a situação se deteriorou.

O país não fez parte, por exemplo, do último levantamento Pisa, prova da organização multilateral OCDE, porque o organismo não considerou a amostragem apresentada como satisfatória para a análise. Mas Buenos Aires sim, ficando em primeiro lugar na América Latina, à frente do Chile, do Uruguai e do Brasil.

"Queremos que esse bom desempenho seja nacional. Vamos começar investindo nas 3 mil escolas pior avaliadas, e elevar a média de baixo para cima."

Tudo isso, porém, depende de os professores saírem das ruas e voltarem às salas de aula. Num ato apelativo, Macri postou nas redes sociais, nos últimos dias, a foto de um professor dando aulas ao ar livre, no dia seguinte ao bombardeio de Hiroshima (1945). E pediu que o diálogo sobre os salários continue, mas com as aulas em curso.

Os grêmios afirmam que perderão poder de pressão caso encerrem as manifestações. Uma nova rodada de negociações ocorre nesta semana.


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