Folha de S. Paulo


Violações da fronteira entre México e EUA caem para nível dos anos 1970

A proposta de orçamento recentemente divulgada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para o ano de 2018 inclui aumento de US$ 4,5 bilhões (R$ 14 bilhões) nas verbas de programas que reforçam as fronteiras e o sistema de imigração, o que inclui o projeto e construção de um muro na fronteira com o México.

A proposta de ampliação de gastos com o controle de fronteiras e defesa apresentada por Trump, como parte de um orçamento de "poder duro", seria bancada por redução de gastos com programas ambientais, assistência internacional e apoio às artes, entre outras coisas.

Matthew Busch - 22.fev.2017/The New York Times
Part of the border fence that separates the United States and Mexico, near McAllen, Texas, Feb. 22, 2017. Many people assume that most of the people who entered the United States illegally are from Mexico. But many are not, and they arrived here in myriad ways. (Matthew Busch/The New York Times)
Trecho de muro na fronteira com o México

No entanto, existe um problema no muro planejado por Trump. Não há qualquer indicação de que ele possa atingir seus objetivos. Um dos motivos principais é simples: o número de pessoas que atravessam a fronteira já não é tão grande quanto no passado.

Novas pesquisas que serão apresentadas em uma conferência da Brookings Institution esta semana demonstram que o influxo de trabalhadores jovens e de baixa capacitação aos Estados Unidos deve cair nos próximos anos, devido ao baixo crescimento na força de trabalho do México e de outros países latino-americanos.

Embora entre os anos 1980 e a metade da década de 2000 tenha acontecido um boom de imigração, em 2015, 75% dos imigrantes com baixa capacitação profissional radicados nos Estados Unidos estavam no país há 11 anos ou mais, de acordo com o estudo conduzido por Gordon Hanson, Chen Liu e Craig McIntosh, da Universidade da Califórnia em San Diego.

O número de detenções na fronteira com o México –um indicador do número de mexicanos, centro-americanos e outros estrangeiros que estão tentando entrar nos Estados Unidos– já caiu a números vistos pela última vez nos anos 1970.

Os mexicanos respondem por pouco mais da metade da população de imigrantes não autorizados nos Estados Unidos, que caiu em mais de um milhão de pessoas ante seu pico em 2007, de acordo com estimativas do Pew Research Center, uma organização de pesquisa apartidária.

No primeiro mês de Trump no poder, o número de detenções na fronteira parece ter caído de maneira ainda mais dramática. O Departamento de Segurança Interna (DSI) dos Estados Unidos anunciou que as travessias ilegais de fronteira caíram em 40% de janeiro para fevereiro.

Apreensões na fronteira com o México - Prisões de imigrantes sem autorização caem sob Trump

Além disso, hoje a probabilidade de que um imigrante não autorizado esteja ilegalmente no país por estourar o prazo de seu visto de turismo é mais alta do que a probabilidade de que ele tenha entrado cruzando ilegalmente a fronteira sul dos Estados Unidos. E em 2015, o número de canadenses que estouraram o prazo de seus vistos foi duas vezes mais alto que o de mexicanos.

O DSI estimou que o muro de Trump custará até US$ 21,6 bilhões (R$ 67 bilhões) no total, ao longo de sua construção. Trump insiste em que o México pagará por ela, uma afirmação firmemente rejeitada pelo presidente mexicano, Enrique Peña Nieto.

Trump retratou os imigrantes não autorizados como criminosos desde o momento em que anunciou sua candidatura à Presidência, quando ele afirmou que imigrantes mexicanos traziam drogas e crime aos Estados Unidos e eram estupradores, ainda que "alguns deles, presumo, sejam boas pessoas".

Como presidente, Trump convidou famílias de vítimas de crimes perpetrados por imigrantes para assistirem ao seu primeiro discurso no Congresso, durante o qual ele anunciou a criação de um novo departamento governamental cujo foco seriam os crimes dos imigrantes.

No entanto, não existem indicações de que um muro na fronteira reduziria o índice de criminalidade nos Estados Unidos.

Sem dúvida imigrantes não autorizados cometeram crimes violentos, mas os dados não demonstram que eles cometam proporcionalmente mais crimes do que os cidadãos nascidos nos Estados Unidos.

O Instituto de Política de Migrações estimou em 2015 que 300 mil dos aproximadamente 11 milhões de imigrantes não autorizados que vivem nos Estados Unidos já foram condenados por crimes, e que número ainda mais alto deles havia cometido delitos.

Mas a proporção de criminosos encarcerados é muito maior para as pessoas nascidas nos Estados Unidos do que para os imigrantes, que normalmente, com poucas exceções, servem suas sentenças antes de serem deportados, caso tenham sido condenados também a deportação.

Estimar o impacto econômico das restrições à imigração não autorizada é mais complicado, dadas as informações imprecisas que estão disponíveis, mas a maioria dos economistas que pesquisaram sobre o assunto concorda que gastos significativos para conter o ingresso de imigrantes não autorizados provavelmente prejudicariam a economia dos Estados Unidos como um todo.

O Arizona é um bom exemplo para observar o que acontece quando os imigrantes não autorizados partem. Em 2008, o Estado implementou o programa E-Verify, que tornava mais difícil a obtenção de emprego por imigrantes não autorizados. Isso resultou em 40% de queda na população estadual de imigrantes não autorizados, até 2012, de acordo com o Pew Research Center –a maior queda registrada entre todos os Estados norte-americanos.

Por causa das partidas, a agência de classificação de crédito Moody's estimou que o Produto Interno Bruto (PIB) do Arizona caiu em média 2% ao ano entre 2008 e 2015, de acordo com uma análise conduzida a pedido do "Wall Street Journal".

Cidadãos nascidos nos Estados Unidos e imigrantes legais ocuparam apenas 10% dos empregos abandonados pelos imigrantes ilegais, desde 2008, de acordo com a análise, causando uma falta continuada de mão de obra nos setores agrícola, de paisagismo e de construção civil.

No entanto, pessoas que vieram a ocupar postos de trabalho abandonados por imigrantes não autorizados no Arizona se beneficiaram de salários mais altos do que os vigentes antes da implementação do programa E-Verify.

Os economistas divergem sobre os prejuízos que os trabalhadores norte-americanos de baixa capacitação sofrem com a presença de imigrantes não autorizados, e há quem alegue que não existem prejuízos.

Estudos respeitados, pelos economistas David Card e Giovanna Peri, demonstram que os influxos de imigrantes não autorizados de baixa capacitação profissional tiveram efeito neutro ou até ajudaram os trabalhadores norte-americanos de baixa capacitação, ao lhes propiciar a oportunidade de especialização em trabalhos que requerem capacitação mais elevada.

Por outro lado, o economista George Borias, da Universidade Harvard, estima que o influxo de imigrantes de baixa capacitação tenha causado queda de entre US$ 800 e US$ 1.500 (R$ 2.500 e R$ 4.700, respectivamente) ao ano nos salários obtidos por trabalhadores nascidos nos Estados Unidos que não tenham completado o segundo grau.

A despeito do desacordo sobre a dimensão das perdas sofridas pelos trabalhadores norte-americanos em função da imigração de trabalhadores desqualificados, se é que essas perdas existem, existe uma espécie de consenso em torno da ideia de que restringir completamente a imigração não autorizada causaria perdas líquidas à economia dos Estados Unidos, especialmente se o processo exigir gastos muito altos.

Além do custo estimado de US$ 21,6 bilhões para a muralha na fronteira, John Kelly, o secretário do DSI, anunciou a contratação de mais 5.000 homens para a patrulha de fronteira e outros 10 mil para o serviço de imigração e alfândega norte-americanos, a fim de cumprir o disposto nos decretos de Trump sobre imigração.

A grande questão que os Estados Unidos enfrentam agora é o envelhecimento da população existente de imigrantes não documentados, de acordo com o estudo da Universidade da Califórnia em San Diego.

O estudo calcula que o total de latino-americanos com menos de 40 anos de idade vivendo nos Estados Unidos cairá em 6% nos próximos 15 anos, enquanto a população de mais de 40 anos de idade crescerá em 82%, dentro dessa categoria demográfica.

"O debate atual dos Estados Unidos sobre a política de imigração tem algo de retrógrado", os autores do estudo afirmam. "O desafio não é como deter o influxo em larga escala de trabalhadores, algo que já foi realizado, mas como administrar uma grande população de imigrantes não documentados já assentados no país. Imensos investimentos na construção de barreiras de fronteira ou na expansão da patrulha de fronteira nada farão para que enfrentemos esse desafio."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: