Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Ataque em Londres reflete postura internacional do Reino Unido

O tão antecipado e previsível atentado terrorista em Londres infelizmente aconteceu. Um ser muito doente "armado" com um Hyundai SUV cinza metálico e uma faca de cozinha matou quatro pessoas e feriu outras quarenta à sombra do Big Ben antes de ser morto pela polícia.

É muito difícil, antes de mais nada, não se condoer profundamente com as vítimas e seus familiares e não deplorar, sem reservas, ideologias que justificam atos de delinquência bárbara contra inocentes.

Mas é revoltante o tom histérico de grande parte da mídia e da opinião pública britânica que insiste em retratar o atentado como se se tratasse de uma espécie de "mini 11 de Setembro" e mais um assalto do fundamentalismo islamita contra valores fundamentais da moral judaico-cristã numa contínua guerra de civilizações.

Se quisermos mesmo falar nestes termos o certo seria então lembrar, em tom igualmente inflamado e consternado, que um dia antes, na cidade síria de Raqqa, controlada pelas forças do auto-proclamado Estado Islâmico (EI), 33 civis foram mortos quando uma escola, usada como abrigo para refugiados, foi alvejada por um míssil americano.

O Reino Unido não faz parte desta específica coalizão anti-EI na Síria, mas sua participação direta e indireta, passada e presente, em praticamente todos os conflitos no Oriente Médio torna esta a associação no mínimo justificável.

Ao falar do atentado em Londres a mídia estridente raramente lembra, por exemplo, dos bilhões lucrados pelo país com venda de armamentos para Arábia Saudita para bombardear civis no Iêmen ou –só mais um exemplo entre tantos outros– do vergonhoso papel dos seus governantes e do seu Exército na Guerra do Iraque.

Em nome da paz e do humanismo há de se fazer um maior esforço para entender relações óbvias de causa e efeito. Sabiamente, logo após ao atentado às Torres Gêmeas em Nova York, um amigo disse: "a própria incapacidade dos americanos em entender por que o atentado aconteceu explica, em grande parte, esta tragédia".

Raramente o terrorismo de Estado é reconhecido e julgado como tal e, numa democracia, às vezes é complicado comparar bons moços a delinquentes. Mas, traduzindo Oscar Wilde, eu diria que "a hostilidade excessiva é quase sempre a máscara de uma secreta afinidade".

HENRIQUE GOLDMAN é cineasta. Dirigiu, entre outros, o longa "Jean Charles" (2009)


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