Folha de S. Paulo


Temo que ataque aéreo nos atinja, diz líder dos Capacetes Brancos em Aleppo

Arquivo Pessoal
O coordenador dos Capacetes Brancos da província de Aleppo, Ammar al-Salmo, aparece ao centro
O coordenador dos Capacetes Brancos da província de Aleppo, Ammar al-Salmo, aparece ao centro

RESUMO Ammar al-Salmo, 32, é coordenador da Defesa Civil Síria, também conhecida como Capacetes Brancos, na província de Aleppo. A organização resgata sobreviventes nos escombros de prédios atingidos por ataques aéreos nas áreas controladas por grupos rebeldes que lutam para derrubar o regime do ditador Bashar al-Assad.

Desde sua fundação, em 2013, cerca de 150 voluntários dos Capacetes Brancos foram mortos. Eles ajudaram a salvar mais de 78 mil vidas.

*

Eu me juntei à revolução na Síria depois de terminar meus estudos na Universidade de Aleppo, em 2011. Acreditava na revolução. O povo fazia protestos pacíficos para se livrar da opressão de um ditador que trata o país como se fosse sua fazenda. Nós, sírios, somos todos escravos.

Diante da repressão do regime, resolvi pegar em armas e lutar ao lado de pequenos grupos rebeldes. Muitos ativistas começaram a desaparecer, e não dava para saber o que faziam com os detentos. Eu senti muito medo.

É uma guerra muito cruel. O regime tortura e mata a população, faz cercos, ataques aéreos, usa bombas incendiárias, gás de cloro... Essa violência é um estímulo para o terrorismo.

Nas áreas controladas pela oposição, não havia bombeiros e socorristas que pudessem ajudar as pessoas. Eu comecei a ver outro sentido para a revolução e decidi me dedicar à causa humanitária.

Entrei para os Capacetes Brancos em março de 2013. Nós juntamos alguns poucos voluntários e médicos em grupos locais, tudo meio improvisado.

Quando saíamos em missões de resgate, víamos pessoas queimando na nossa frente, ouvíamos os gritos de gente soterrada debaixo dos escombros. Mas sem equipamentos, veículos e treinamento, nosso esforço era insuficiente.

Sentimos a necessidade de nos profissionalizar. Procuramos apoio de organizações ocidentais e começamos a receber treinamento sobre operações de resgate na Turquia.

Todos os dias nós encaramos situações trágicas, de profunda agonia e tristeza. É algo que nos abala muito.

Houve uma vez em que participei de uma missão em um mercado bombardeado em Aleppo. Tirei um corpo dos escombros e o coloquei em um saco.

Veio uma mãe e me mostrou fotos do seu filho, procurando por ele. Eu não consegui falar para ela que seu filho estava morto.

Fiquei imaginando aquela mãe desesperada, exausta, buscando seu filho em todos os hospitais da cidade. Aquele foi o dia mais marcante da minha vida.

Arquivo Pessoal
Ammar al-Salmo participa de operação de resgate em Aleppo, uma das maiores cidades da Síria
Ammar al-Salmo participa de operação de resgate em Aleppo, uma das maiores cidades da Síria

Atualmente, vivo no interior da província de Aleppo. Tenho medo de que os aviões venham nos atacar. No dia 12 [de março], caiu uma bomba perto da sede dos Capacetes Brancos, mas ninguém morreu, graças a Deus.

Seguimos trabalhando para resgatar pessoas. Esperamos um dia ter acesso às áreas controladas pelo regime para poder ajudar todos os sírios.

Nós sabemos que a guerra só pode ser resolvida com vontade política, algo que o regime, apoiado pelo Irã e pela Rússia, infelizmente não tem demonstrado.

Apesar de toda a violência e de eu ter sido forçado a fugir de casa com minha família, hoje sinto que sou mais livre para me expressar do que era antes da revolução.

Faz seis anos que o povo é massacrado por esta guerra. Queremos ver a paz na Síria, voltar às nossas vidas sem este regime nem os terroristas.


Endereço da página:

Links no texto: