Folha de S. Paulo


Com rede de restaurantes, Coreia do Norte tenta impulsionar 'soft power'

Não é só de retórica belicista, testes de mísseis e explosões nucleares que vive a propaganda da ditadura de Kim Jong-un. A Coreia do Norte também tem sua peculiar versão de "soft power", a projeção de poder e influência por meios que não a força bruta.

No caso, o regime comunista tenta te ganhar pelo estômago em uma das filiais do Café Pyongyang, rede de restaurantes típicos coreanos tocada pelo país, cujo nome homenageia a sua capital.

A Folha visitou, no fim do ano passado, a unidade de Vladivostok, no Extremo Oriente russo. É uma experiência algo decepcionante para quem espera ser atendido por pessoal em uniforme militar enquanto aprecia quadros dos "queridos líderes" com slogans comunistas.

Nada disso: o lugar tem decoração kitsch, com plantas de plástico simulando um ar tropical, luzes piscando, murais com paisagens idílicas e dragões em relevo.

Igor Gielow/Folhapress
Garçonete se prepara para cantar em karaokê no Café Pyongyang de Vladivostok, na Rússia
Garçonete se prepara para cantar em karaokê no Café Pyongyang de Vladivostok, na Rússia

As garçonetes envergam vestidos coloridos e brilhantes, são eficazes e proibidas de falar qualquer coisa além do essencial com clientes (em coreano, russo ou inglês).

Segundo moradores da cidade russa, elas são norte-coreanas que vivem em regime análogo ao da escravidão e são passíveis de punição se resolverem socializar.

Mas cantam. Há um karaokê ao lado do balcão e, mesmo quando a reportagem lá esteve sozinha, uma delas virou-se de costas e soltou a voz acompanhando um ritmo que poderia ser descrito como "Beethoven encontra tecno e música tradicional coreana".

Para adicionar estranhamento, um telão exibia "Expresso Transiberiano", um suspense de 2008 que começa com a investigação de uma morte ocorrida em um navio nas docas de Vladivostok, próximas ao restaurante.

No que interessa, o Pkhenian (seu nome em russo) não desaponta nem brilha. Pratos tradicionais, o bibimpab (mexido com arroz) e o kimchi (vegetais fermentados e temperados), estavam corretos.

Juntos, custavam 730 rublos (cerca de R$ 40), menos do que em outras das inúmeras casas coreanas de Vladivostok. A cerveja, por 350 rublos (R$ 19) o copo de 500 ml, vinha em opções russa, japonesa, alemã e sul-coreana.

A nota sombria era o sujeito de terno escuro que de tempos em tempos chegava ao balcão para aparentemente dar bronca nas garçonetes.

Segundo moradores, ele é do serviço secreto, responsável por gerenciar o lugar.

Existem cerca de 130 casas da rede, mais de 100 delas na China e em oito países. A tentativa de abrir filial em Amsterdã, em 2012, fracassou.

Além de "soft power", diz a imprensa sul-coreana, a rede lavaria dinheiro. Cada unidade renderia mais de US$ 100 mil mensais, repatriação de ativos no exterior para membros do regime.


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