Quando Marie Rose, 46, decidiu deixar seu vilarejo na Síria e se refugiar na Europa, ela tinha uma perspectiva cinzenta diante de si: a arriscada travessia pelo mar Mediterrâneo e caminhadas ao longo dos trilhos dos trens.
Mas Rose chegou à Itália um ano atrás após um voo de menos de quatro horas.
Sua viagem foi organizada e custeada por comunidades cristãs em parceria com o governo italiano, em um projeto que levou 750 refugiados ao país no último ano. O modelo pode ser expandido ao restante do continente, que vive uma crise migratória.
"Nunca pensei que pudesse ser tão fácil ir à Europa", afirma Rose. "Conheço muitas pessoas que foram pelo mar, pagando fortunas a traficantes, e morreram." Cerca de 5.000 pessoas morreram durante 2016 na tentativa de cruzar o Mediterrâneo.
O corredor humanitário é feito por igrejas católica, protestante e evangélica, com doações e recursos próprios.
O projeto, que completou um ano em fevereiro, deve trazer outros 750 refugiados neste ano, totalizando 1.500.
"Víamos as imagens da travessia de refugiados e nos sentíamos impotentes", afirma à Folha Daniela Moretti, representante da Comunidade Sant'Egidio, uma das responsáveis pela iniciativa.
"Queríamos fazer alguma coisa para evitar aquelas viagens mortíferas", diz, "para que as pessoas chegassem até a Europa em segurança".
A Comunidade Sant'Egidio, que tem projetos também no Brasil, estudou a legislação vigente e entrou em contato com as autoridades.
A igreja analisa os pedidos de refugiados sírios, tramitados em Beirute, e faz uma primeira triagem. Em seguida, o governo italiano faz sua checagem. "Há um controle duplo", afirma. "O Estado sabe quem está entrando".
Não é necessário ser cristão. O critério, afirma Moretti, é a vulnerabilidade. Crianças doentes, viúvas e idosos desacompanhados, por exemplo, têm prioridade.
A parceria entre igrejas italianas garante, além da viagem, um período de dois anos de adaptação, durante os quais o refugiado recebe hospedagem e alimentação.
As casas são oferecidas, em alguns casos, por voluntários da comunidade, e a oferta excede a necessidade. "Hoje temos mais espaço do que sírios", afirma Moretti.
Os refugiados frequentam cursos de italiano –onde a reportagem da Folha conheceu Rose– e são assessorados para encontrar seus primeiros empregos no país.
Um dos voluntários nessa escola, o afegão Dawood Yousefi, 32, foi amparado pela Sant'Egidio. Ele chegou à Europa há 13 anos, fugindo da violência de seu país. "Fui ameaçado pelo Talebã e por outros grupos radicais", diz.
Ele participa da recepção às famílias no aeroporto, e é seu o primeiro rosto que as crianças refugiadas veem ao desembarcar na Itália. "Dividimos os momentos felizes e tristes", diz Yousefi. "De tudo um pouco."