Folha de S. Paulo


Análise

Populista holandês explora sentimentos de insatisfação

Embora não tenha influência direta sobre os demais pleitos, o resultado na Holanda funcionará como um termômetro da capacidade da direita populista de levar a onda 'brexit' e Trump para a Europa continental

GIORGIO ROMANO SCHUTTE é nascido na Holanda e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Raras vezes processos eleitorais na Holanda, que é do tamanho de Sergipe e tem 17 milhões de habitantes, chamaram tanto a atenção, em particular na própria União Europeia (UE).

Será o primeiro de uma série de países a realizarem eleições neste ano, seguido por França, Alemanha e, provavelmente, Itália, que, em seu conjunto, definirão os rumos da UE nos próximos anos.

Embora não tenha influência direta sobre os demais pleitos, o resultado na Holanda funcionará como um termômetro da capacidade da direita populista de levar a onda "brexit" e Trump para a Europa continental.

Na Holanda, uma monarquia com sistema parlamentarista, havia uma dinâmica política bem definida.

O jogo se dava tradicionalmente entre os três grandes partidos: os social-democratas (Partido do Trabalho - PvdA), o centrista Democracia-Cristã (CDA) e os liberais de centrodireita (Partido do Povo pela Liberdade e Democracia - VVD). Eles inclusive mantiveram certo consenso a respeito das grandes questões, entre as quais a integração europeia.

Foi em 2005 que algo mais radical sinalizou que o establishment político estava perdendo o contato com uma parcela significativa da população. Naquele ano, a União Europeia, confiante de suas conquistas nos campos econômico, político e monetário –o euro parecia estar dando certo–, lançou um novo passo no processo de integração ao propor a Constituição Europeia.

Em alguns países, entre os quais a Holanda, essa proposta deveria passar por uma votação popular. A Holanda sempre havia sido pró-Europa e todos os principais partidos convocaram a população a votar favoravelmente.

Para surpresa de muitos, a abstenção dobrou de uma média de 20% para 40%, e 62% votaram contra. Isso mostrou o potencial para o surgimento de agremiações populistas que pudessem se apresentar como antissistema, captando o voto de quem não se identificava mais com os partidos tradicionais.

Como sinal dos novos tempos, aumentou a pulverização partidária, e nas eleições de 15 de março concorrerão 28 siglas. Pelas pesquisas, os três partidos tradicionais juntos serão reduzidos a uma mera representação de 35% do Parlamento.

Em particular o tradicional partido social-democrata será severamente punido por ter entrado em um governo dominado pelos liberais, seguindo políticas de austeridade fiscal. Com um quarto dos votos obtidos nas eleições de 2012, ficará atrás de duas agremiações da esquerda radical.

Mas não é a pulverização dos votos que preocupa o resto da Europa, e, sim, a tendência do partido da direita populista liderado pelo Geert Wilders, profundamente anti-imigrantes e anti-Europa, ser o mais votado. Embora com no máximo 20% dos votos e sem real chance de formar uma coalizão no Parlamento, o impacto será enorme.

Wilders explora os sentimentos difusos de mal-estar e insatisfação e pauta uma discussão sobre a identidade do país. Embora a economia esteja se recuperando e o desemprego sendo reduzido, permanece uma sensação térmica de insegurança em relação ao futuro. Outros partidos, em particular de centro-direita, vêm incorporando a agenda de ceticismo em relação à Europa e um posicionamento anti-imigrantes.

Tudo indica que a formação da nova coalizão será difícil e, em todo caso, estará longe de ajudar a formar um consenso na sociedade sobre seus rumos. O que perturba é a influência das ideias de Wilders, mais fora do que dentro do Parlamento.


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