Folha de S. Paulo


análise

Mudança em Seul depende mais de Trump do que de futuro mandatário

A sabedoria convencional dirá que quem virá depois do impeachment da presidente sul-coreana Park Geun-hye chama-se Moon Jae-in, 63, líder do Partido Democrático.

A lógica é simples: Moon perdeu por pouco para a conservadora Park em 2012; o prestígio dos conservadores foi abalado pelo escândalo que levou à decapitação da presidente; torna-se, assim, natural que ascenda um progressista como Moon.

A questão seguinte, mais relevante do que a mudança do sinal ideológico interno, é se um novo governo (de Moon ou de qualquer outro) irá alterar a política externa do país, em especial o relacionamento com os Estados Unidos, pedra angular da diplomacia sul-coreana, e com a Coreia do Norte, o vizinho-inimigo.

Com este último, não há hipótese de mudança: a Coreia do Norte é considerada uma ameaça existencial para o vizinho ao sul.

Ainda mais agora que os norte-coreanos exibem constantes avanços (reais ou propagandísticos) tanto na área nuclear como na de mísseis.

Nenhum presidente sul-coreano esperaria até que a Coreia do Norte esteja em condições de montar uma cabeça nuclear em mísseis de médio alcance, capazes de ameaçar não só a Coreia do Sul mas também o Japão.

A Coreia do Sul, portanto, manterá a ênfase na contenção dos norte-coreanos, preferencialmente por meio das chamadas conversações entre as seis partes (China, Japão, Rússia e Estados Unidos, além das duas Coreias).

O foco das conversas – essenciais para engajar a China– tem sido e continuará sendo, com qualquer governo sul-coreano que vier, a desnuclearização da Península Coreana e a busca da estabilidade regional.

O que pode mudar é o relacionamento com os Estados Unidos, em especial se o novo presidente for Moon Jae-in, como indica a lógica.

Se for o ex-secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, é difícil dizer algo porque ele não deixou claras suas posições.

Não que Moon seja contrário à aliança com Washington. Mas é favorável a um maior equilíbrio na diplomacia sul-coreana, o que, na prática, significa uma maior aproximação com a China.

Nesse capítulo, porém, o futuro presidente, seja qual for, estará condicionado menos por questões internas e mais pela evolução da política externa de Donald Trump.

O presidente norte-americano tem insistido frequentemente em que os aliados devem assumir maior responsabilidade por suas defesas, em especial na área financeira.

Se vai fazê-lo na prática é uma questão em aberto e, por extensão, fica em aberto a resposta sul-coreana.

Um conflito comercial Estados Unidos/China, por outro lado, também desenhado pelas declarações de Trump como candidato, seria potencialmente devastador para a Coreia do Sul, uma formidável usina exportadora. O isolacionismo com que Trump acena é outra ameaça para um país exportador.

Nesse capítulo, seria natural uma aproximação maior com a China, que saltou na frente, logo após a posse de Trump, na defesa do livre comércio e da globalização.

"Essas variáveis externas importarão mais para moldar as escolhas estratégicas de Seul do que as posições políticas a serem adotadas por um novo presidente sul-coreano, que tem que navegar águas traiçoeiras com limitada margem para erro", escrevem, por exemplo, Scott Snyder e Sungae Park, do Council on Foreign Relations.

Fica claro, de todo modo, que a eleição sul-coreana terá repercussões além das fronteiras do país e até além da Península Coreana.


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