Folha de S. Paulo


Assassinato de Kim Jong-nam leva a teorias da conspiração intrigantes

O assassinato sensacional do meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong-un, no aeroporto de Kuala Lumpur há duas semanas, é incompreensível para a maioria das pessoas civilizadas.

Para começar a entender esse aparente ato de fratricídio, é preciso reconhecer que a Coreia do Norte é essencialmente uma monarquia medieval absolutista governada por um jovem tirânico de 33 anos.

Apesar de todos os detalhes modernos —o uso do agente químico VX, a suposta crença das assassinas de que participavam de um reality show, o acrônimo "LOL" ["dando gargalhadas", em inglês] na camiseta usada por uma das acusadas—, foi assassinato ao modo de um Plantageneta ou de um sultão otomano.

Jung Yeon-Je/AFP
People watch a television showing news reports of Kim Jong-Nam, the half-brother of North Korean leader Kim Jong-Un, at a railway station in Seoul on February 14, 2017. Kim Jong-Nam, the half-brother of North Korean leader Kim Jong-Un has been assassinated in Malaysia, South Korean media reported on February 14. / AFP PHOTO / JUNG Yeon-Je
Sul-coreanos assistem em Seul à notícia sobre morte de Kim Jong-nam, irmão de Kim Jong-un

O "jovem marechal", como Kim Jong-un insiste em ser chamado, temia que seu meio-irmão de 46 anos, Kim Jong-nam, tivesse uma reivindicação melhor ao trono e que pudesse um dia usurpá-lo com a ajuda da China ou do Ocidente.

Durante bem mais de uma década, Kim Jong-nam viveu em Macau e Pequim e foi protegido por autoridades de segurança chinesas. Ele periodicamente criticava seu irmão mais novo e falava a favor do Ocidente, enquanto defendia reformas econômicas para sua terra natal stalinista.

A pergunta inevitável é: por que agora? A resposta está potencialmente na mudança do contexto internacional e no medo crescente do jovem Kim do imprevisível governo Trump.

A opção do VX —o mais mortífero agente nervoso sintético já feito e uma arma química proibida sob os tratados internacionais— destina-se a enviar um sinal temível. Ela adverte e mostra ao Ocidente que Pyongyang tem outras armas perigosas além de seu programa nuclear em rápida expansão.

Ele também prova ao público interno de elite de Kim Jong-un que ele é impiedoso e não hesitaria em eliminar até parentes de sangue de maneira terrível.

Agências de inteligência sul-coreanas disseram que Kim emitiu uma ordem para a execução de seu irmão assim que assumiu o poder, no final de 2011. Então por que demorou tanto para praticá-la?

Agentes chineses eram responsáveis por proteger Kim Jong-nam quando ele viajava ao exterior, assim como quando estava no país, segundo pessoas ligadas ao aparelho de segurança da China. Duas teorias estão circulando em Pequim sobre como a equipe dos assassinos norte-coreanos e seus agentes conseguiram realizar uma operação tão ousada.

Uma é que expurgos recentes no Ministério de Segurança chinês o deixaram depauperado e algumas de suas operações em desordem, incluindo a missão para proteger o Kim mais velho de assassinato.

KCNA - 21.fev.2017/Reuters
O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, visita fazenda na região de Pyongyang
O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, visita fazenda na região de Pyongyang

A segunda teoria é fascinante, mas difícil. Alguns acreditam que Xi Jinping, o presidente chinês, decidiu conter a Coreia do Norte, para atrair os favores do presidente americano, Donald Trump, e reduzir as tensões no vizinho detentor de armas nucleares.

A China está preocupada com a planejada mobilização pela Coreia do Sul de um escudo antimísseis construído pelos EUA, destinado a defendê-la contra os mísseis de Pyongyang, mas que Pequim suspeita que possa ser usado contra seus próprios militares.

Para convencer Washington e Seul de que o escudo antimísseis seria um erro, Pequim deve exercer mais pressão sobre Kim, que insiste em testar armas e mísseis nucleares a intervalos regulares.

O anúncio pela China na semana passada de que suspenderia as importações de carvão da Coreia do Norte até o fim do ano provocou uma rara irrupção de críticas à China pela mídia estatal norte-coreana.

Pequim sabe como Kim é volátil e que algumas de suas armas nucleares poderiam facilmente ser apontadas para o norte, assim como ao sul. Se ele pensasse que um governo chinês abrigando o mais verossímil usurpador a seu trono decidisse que estava na hora de uma mudança de regime, então Kim poderia facilmente disparar.

Como seu destronamento quase certamente envolveria sua morte, haveria pouco que poderia impedir o ditador de envolver a região no Armagedon nuclear.

Assim, para adoçar as coisas para Kim e convencê-lo de que Pequim não pretende sua remoção iminente, talvez agentes chineses tenham deixado seus homólogos norte-coreanos saber que Kim Jong-nam estaria viajando à Malásia e que seus guarda-costas habituais não estariam tão atentos quanto de costume.

Isso continua sendo apenas uma teoria da conspiração, que alguns diplomatas ocidentais rejeitaram em particular como complexas e implausíveis.

Mas se foi de fato um gesto macabro de boa vontade de Pequim, então teria custado ao governo chinês quase nada, enquanto melhorou suas chances de forçar Pyongyang a negociar e reduzir a possibilidade de um conflito nuclear.


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