Folha de S. Paulo


Há uma lacuna entre os especialistas e o povo, diz diretor de pesquisas

Pesquisas globais divulgadas nos últimos meses revelaram um panorama complicado para a política em todo o planeta. Por um lado, a população mundial tem uma percepção da realidade que diverge do que mostram dados e fatos; por outro, é crescente a vontade popular de ter um líder forte, capaz de romper com o establishment.

É esse contexto que explica fenômenos como a eleição de Donald Trump e o "brexit", diz o cientista político canadense Darrell Bricker, CEO do Instituto Ipsos, responsável por essas pesquisas.

Segundo ele, o povo deixou de acreditar nos "experts", um reflexo de a população mundial estar cada vez mais educada. "As pessoas se sentem capazes de mediar suas informações."

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Folha – Como as pesquisas globais de opinião explicam fenômenos como a eleição de Trump e o "brexit"?
Darrell Bricker – Descobrimos que o público tem uma percepção errada da realidade e está rejeitando o que vê como opinião e conhecimento da elite. Temos hoje a população mais educada que já houve, com mais acesso a e informação, e as pessoas não aceitam que seu conhecimento seja mediado por "experts". Há uma lacuna entre o que os especialistas pensam e a informação que as pessoas acham que é mais relevante para elas. É nessa lacuna que se encaixam fenômenos como Trump.

Isso também dá margem ao questionamento da própria realidade e à proliferação de notícias falsas, não?
Sim. Políticos como Trump descobriram como se aproveitar dessa luta sobre o que é a verdade, o que é um fato, o que é notícia, o que é falso. É preciso estabelecer uma conexão com as pessoas e entender as questões a partir da perspectiva delas. A percepção das pessoas sobre a realidade é distante dos fatos reais.

Por que isso acontece?
As pessoas não sentem a realidade descrita por fatos e dados. As estatísticas podem dizer que as coisas no país estão melhores, mas as pessoas acham que tudo está pior. Os políticos rebatem com dados e estatísticas, mas estar certo, conhecer a realidade, não significa que consigam se conectar com o público. É preciso entender que os sentimentos e realidades que as pessoas vivem em suas mentes são tão reais quanto os dados apresentados por especialistas.

A percepção é tão importante quanto a realidade?
Se um britânico do interior vai ao pub e vê que os atendentes são imigrantes, vai achar que a imigração está crescendo. Você pode ter os dados e dizer que isso está errado, mas a comunidade dele mudou, então para ele essa é a realidade. Este é o problema da elite, que está ficando desconectada das realidades que as pessoas estão vivendo.

Mas os fatos existem. Há um problema de comunicação?
Sim. Há uma lacuna entre os dados e a realidade percebida pelas pessoas. O importante é passar às pessoas os fatos de uma forma que elas consigam se identificar, fazer com que haja uma conexão.

O que as pesquisas indicam sobre o resto do mundo?
Essas tendências estão afetando a política de todo o mundo. Há forças políticas, sociais mudando a política global. São mudanças demográficas, além da ideia do declínio do progresso, que geram forte apelo a populistas.

Sondagens erraram resultado dessas votações. Há um problema nos institutos de pesquisa?
O sistema de pesquisas de opinião não está falido. Não vamos parar de fazer pesquisas. Os erros recentes na eleição nos EUA nos desafiam a melhorar nossa metodologia e buscar a verdade.


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