Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Queda de assessor de Trump insinua disputa e gera dúvidas

Carolyn Kaster/Associated Press
National Security Adviser Michael Flynn speaks during the daily news briefing at the White House, in Washington, Wednesday, Feb. 1, 2017. Flynn said the administration is putting Iran
O assessor de Segurança Nacional, Michel Flynn, fala à imprensa na Casa Branca

A queda fulminante do conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn mostra que há uma guerra instalada nos bastidores do governo de Donald Trump, que não completou um mês de vida ainda.

A saída do general também levanta uma série de dúvidas sobre o curso dessa disputa, e o impacto que ela terá nos próximos passos da gestão do republicano.

Flynn era conhecido por ser um pragmático. Tinha suas paranoias, como achar que metade do mundo estava aliado de fato contra os EUA e que o Islã como um todo é a ponta de lança dessa agressão.

Mas isso não lhe tirava a precisão analítica: foi um dos primeiros oficiais superiores americanos a apontar o risco de expansão do Estado Islâmico (EI).

Defendia quase abertamente uma aliança com Moscou para atacar o problema. Isso era mais realismo do que namoro ideológico: conhecedor do campo de batalha no Oriente Médio, onde serviu, tinha claro que seria impossível para os EUA engajar-se simultaneamente em várias operações mais consistentes contra ameaças da esfera muçulmana.

Para estabelecer esse acordo, sabia que as sanções ocidentais contra a Rússia devido à guerra na Ucrânia teriam de estar na mesa de barganhas. É o ativo mais suculento que Trump tem a oferecer.

Isso lhe colocou em oposição, no meio do turbilhão de medidas e contramedidas anunciadas por Trump nessas primeiras semanas no cargo, à abordagem mais convencional proposta pelos secretários James Mattis (Defesa) e Rex Tillerson (Estado).

Ambos defenderam publicamente a manutenção das sanções, talvez não por crença política, mas por cálculo: é melhor guardar a carta até a hora certa de ser jogada. Flynn, pego conversando com o embaixador russo sobre o tema antes mesmo de ser efetivado no cargo, teria avançado o sinal.

Nas intrigas políticas de Washington, que fazem as de Brasília parecer filme de bangue-bangue, o deslize foi ideal para consolidar o poder de Mattis e Tillerson —este sempre apontado como um dos integrantes mais pró-Kremlin da administração. Já havia vários relatos sobre a confusão que imperava no time de Flynn devido ao comportamento mercurial de Trump; se foram exagerados ou não, é a algo em aberto.

Como escreveu nesta terça (14) o dono da consultoria estratégica americana Geopolitical Futures, George Friedman, não faz muito sentido achar que Flynn estaria vulnerável a chantagens de Moscou devido aos telefonemas para o embaixador ou por ter participado de um jantar a convite da emissora de TV bancada pelo Kremlin há alguns anos.

Flynn foi chefe da inteligência militar americana, o que sugere uma personalidade bem mais sofisticada. Sua queda do cargo, aliás, foi o que o aproximou de Trump: para vingar-se de Hillary Clinton e Barack Obama, a quem atribuiu o afastamento. Naturalmente ele sabia que qualquer telefonema do embaixador russo em Washington é monitorado, então no mínimo ele se sentiu autorizado a tocar as conversas.

Em outras palavras, sua queda pode ser um expediente para tentar conter a escalada da crise. O papel de Stephen Bannon, o conselheiro de Trump apontado como mentor de sua "revolução" visando "destruir o sistema" e entusiasta da aproximação com Moscou, deveria ser melhor avaliado.


Endereço da página:

Links no texto: