Folha de S. Paulo


Jornalista que revelou caso Odebrecht no Peru vê chance contra corrupção

"Estamos vivendo uma grande oportunidade na América Latina de acabar com esse modus operandi da corrupção que envolve governos e empresas há muito tempo", diz à Folha o jornalista e escritor peruano Gustavo Gorriti, 69.

Vencedor do prêmio María Moors Cabot, membro do Consórcio Internacional para Jornalismo de Investigação e diretor do IDL-Reporteros, Gorriti investiga desvios de verbas para obras públicas no Peru há muitos anos.

Gabriel Perez - 21.abr.2013/Universidade do Texas/Knight Center
O jornalista peruano Gustavo Gorriti fala em evento de jornalismo em Austin, no Texas, em 2013
O jornalista peruano Gustavo Gorriti fala em evento de jornalismo em Austin, no Texas, em 2013

Mesmo antes de a Lava Jato ter tido início no Brasil, já havia detectado indícios de que a empreiteira brasileira Odebrecht, além de outras, vinham pagando subornos para serem favorecidas em concursos por obras públicas em seu país.

Jornalista mais importante do Peru, é também autor do livro "Sendero", a mais completa investigação sobre a guerrilha criminosa Sendero Luminoso —que atuou principalmente nos anos 1980 e 1990, causando em seu enfrentamento com as Forças Armadas mais de 70 mil mortes.

Hoje, Gorriti, que também foi perseguido e preso durante o governo autocrático de Alberto Fujimori (1990-2000), dedica-se quase que exclusivamente a investigar temas de corrupção, com uma equipe composta de jovens jornalistas e colaborando em rede com profissionais de outros países.

Para ele, que diz que "a Lava Jato pode passar a ser o melhor produto de exportação do Brasil", a possível prisão de Alejandro Toledo terá um peso simbólico importante, por se tratar do primeiro ex-presidente latino-americano a ir para a cadeia por conta dos escândalos da Odebrecht.

Por ora foragido, Toledo tem contra si um mandado de prisão internacional emitido por um juiz peruano devido às alegações de que teria recebido US$ 20 milhões (R$ 62,2 milhões) em propinas da Odebrecht.

Leia, abaixo, a entrevista que Gorriti concedeu à Folha, por telefone, de Lima.

*

Folha - Quando, aí no Peru, começaram as suspeitas com relação à Odebrecht?

Gustavo Gorriti - Suspeitas quanto a desvios por obras públicas existem há muitos anos, mas sempre foi muito difícil provar. Em 2011, por meio das investigações dos contratos do governo que fazíamos, começamos a dar de cara com as transações da Odebrecht, da Camargo Corrêa e de outras empresas. Nós nos demos conta de que eram várias, e que trabalhavam de modo parecido em vários países.

O que não tínhamos ideia era da quantidade de dinheiro que se movimentava e do escopo disso tudo, que só começou a tomar mais forma quando no Brasil instalou-se a Lava Jato e esse recurso da delação premiada, essencial para obter informações em casos de corrupção como esses, por permitir investigações mais profundas.

Aí percebemos, que no caso do Peru, sim, havia várias empresas metidas nisso, mas que a Odebrecht era o barco que comandava a frota.

Depois o sr. viajou a Curitiba e conheceu os responsáveis pela investigação no Brasil?

Sim, em 2015, e é curioso porque, naquela primeira visita, eles me pareciam um grupo de magistrados jovens, fazendo um trabalho altamente técnico, sério e profundo, e que naquele momento ainda trabalhavam sem o furor midiático que depois se montou em torno deles.

Foi muito proveitoso, porque aportamos o que tínhamos de informação e eles foram muito generosos em nos fornecer dados também.

A partir daí, nós começamos nosso trabalho aqui, de tornar público aos peruanos o que me parece uma epopeia de escalada de subornos sem precedentes na América Latina.

Hoje qualquer peruano sabe o que é a Lava Jato e o que são subornos em licitações, desvios para obras públicas, algo que antes parecia algo técnico, mas ao envolver três ex-presidentes da República expôs que não só eles são responsáveis, mas que há um método comum disseminado em vários países, e há muito tempo.

E o sr. acha que o juiz Sergio Moro e o grupo de investigadores da Lava Jato que o sr. conheceu naquela ocasião mudou muito?

Creio apenas que agora seu trabalho é mais difícil por terem se tornado essas estrelas da mídia. Não é o mesmo o entusiasmo de um juiz principiante que está começando com um caso desses na mão do que o dessa pessoa depois que se transforma na Madonna do mundo das leis.

Acho que eles precisam continuar a fazer o trabalho com seriedade e tomar cuidado com o que essa atenção midiática pode causar, em termos de vaidades políticas e tudo o mais.

O que o sr. acha que uma possível prisão do ex-presidente peruano Alejandro Toledo poderá significar?

Simbolicamente, será algo muito importante, porque vai ser o primeiro ex-presidente a ir para a cadeia por conta desse escândalo, que já é continental.

Por outro lado, Toledo hoje é um sujeito fraco politicamente no Peru. Já foi presidente há muitos anos, não tem um grande respaldo partidário, e saiu do governo com a popularidade muito baixa.

Eu temo que a prisão dele apenas dê lugar a um recurso muito comum aqui no Peru quando se trata de escândalos de corrupção: sempre se busca um bode expiatório e apenas ele cai e paga pelo crime.

É por isso que a imprensa e a sociedade têm de pressionar para que a Justiça vá até o fim e que todos os envolvidos também caiam.

Você acredita que a Lava Jato vai testar a independência dos poderes nos países da América Latina? Que países vão se sair melhor, e quais não?

Sem dúvida. Bem, no Brasil estamos vendo como é difícil esse processo e sem dúvida as disputas políticas jogam um papel importante, mas muitos já foram presos ou estão a ponto de irem presos.

Mas o que vejo daqui é o juiz Sergio Moro, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Justiça indo adiante, e o jornalismo atrás, fazendo aportes, mas um pouco a reboque. Mas está bem, porque o Brasil tem uma Justiça mais independente.

Nos outros países em que o Judiciário tem menos liberdade, o papel da imprensa vai ser muito mais importante, para pressionar e fazer com que aqueles que investiguem não se curvem diante do poder político.

O Peru é um desses países, embora nossa Procuradoria esteja agindo bem nesse momento. Ainda assim, é preciso vigiar. O meu objetivo com o Reporteros é sempre estar alguns passos adiante da Procuradoria, e é isso que acho que a imprensa dos outros países deveria fazer.

E em quais países você acha que isso será mais complicado?

Bom, na Venezuela, tenho certeza de que mesmo que saia o código genético, os detalhes moleculares de cada um dos corruptos do governo, com confirmações, ainda assim Nicolás Maduro dirá que tudo se trata de uma trama do Império.

Na Argentina também acho que vai ser complicadíssimo, porque o Executivo exerce muita pressão sobre o Judiciário, e se trata de um país muito corrupto.

Mas, ainda assim, mesmo nesses casos mais graves, creio que algo mudará para o futuro. Não só no que se refere à Odebrecht.

Eu acho, sim, que estamos vivendo uma grande oportunidade na América Latina de acabar com esse modus operandi da corrupção que envolve governos e empresas há muito tempo. Algo vai mudar no modo de se financiar e de se fazer política.

E como avalia o impacto do escândalo Odebrecht na Colômbia?

Ali, pelo fato de ter respingado dos dois lados, acabou entrando na disputa política entre Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe [Santos foi acusado de receber propina na campanha por sua reeleição, enquanto Uribe, de ter concedido obras públicas por meio de suborno, além de seu candidato em 2014, Óscar Iván Zuluaga, também ter sido acusado de ter recebido verba para a campanha]. Mas vejo a Justiça atuando e a imprensa também.

E em quais as investigações ainda são incipientes?

No México, em El Salvador, na República Dominicana, mas já há coisas acontecendo. No Panamá, a princípio, a Procuradoria não queria ir atrás, não queria dar informações, mas isso mudou, por pressão da mídia.

Novamente, é preciso reforçar que o papel da imprensa está sendo fundamental, e a importância de haver colaboração com jornalistas de outros países, como nós fazemos aqui.

Por exemplo, o caso que envolve Gustavo Arribas —chefe do serviço de inteligência do governo Mauricio Macri, acusado de receber dinheiro de modo ilícito por meio de Leonardo Meirelles, doleiro da Odebrecht—, saiu de uma colaboração nossa com o jornalista Hugo Alconada Mon ("La Nación"). Essas conexões agora são fundamentais [O funcionário nega, e Macri o tem respaldado].

E qual é o grande risco de essa revolução, como o sr. diz, acabar em nada?

Há que se ter muito cuidado com o fator tempo. É preciso atuar rápido por conta da mudança de ventos no mundo que a eleição de Donald Trump nos EUA vai representar.

Por quê?

Porque se trata de um líder poderoso que não acredita na democracia, é um gângster, é um amigo de Putin, alguém determinado a não castigar países onde possui investimentos. Ou seja, entramos num momento histórico em que a democracia está em grave risco.

Temos uma grande potência na mão de um Calígula. Isso simbolicamente terá um efeito muito negativo na ideia de democracia de modo geral, e portanto nas democracias da América Latina.


Endereço da página:

Links no texto: