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Para embaixador alemão no Brasil, Trump e 'brexit' podem fortalecer a UE

Pedro Ladeira/Folhapress
O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, durante entrevista à Folha na sede da embaixada
O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, em entrevista à Folha em Brasília

O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, 63, diz que aposta no fortalecimento da União Europeia diante do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, do "brexit" e do avanço político de Vladimir Putin na Rússia.

Witschel assumiu em setembro de 2016 o posto de representante em Brasília do país mais rico e poderoso do continente europeu.

Em entrevista à Folha, ele destaca o risco da extrema direita no seu próprio país e elenca questões que os partidos alemães não conseguem responder em relação à crise envolvendo refugiados.

O embaixador revela que a chanceler Angela Merkel acaba de convidar o presidente Michel Temer a visitar Berlim e compara o escândalo de corrupção envolvendo a gigante alemã Siemens com a Operação Lava Jato.

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Folha - Qual o impacto do "brexit" na Europa?

Georg Witschel - O "brexit" é uma incisão profunda no desenvolvimento da União Europeia. Mas foi uma decisão do povo britânico para o Reino Unido, não contra a UE. Quase ninguém no Reino Unido quer o fracasso da UE.

O sr. acha que o fenômeno do "brexit" pode se estender a outros países da Europa?

Temos declarações claras e fortes de todos os membros da UE de que continuarão fortalecendo o bloco. Por isso, e talvez também depois da posse do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, estou otimista de que a UE conseguirá manter a unidade, se fortalecer.

Mas como Trump pode ajudar a manter a unidade da UE?

O presidente Trump e alguns conselheiros dele consideram a UE uma união para dominar o comércio. O governo Obama se manifestava por uma UE forte. Agora, os sinais de Washington são diferentes. Vladimir Putin na Rússia, "brexit" e Trump são fatores que podem contribuir para uma visão mais realista da UE, mais positiva, que possa defender certos valores e interesses. Um país como a Polônia ou a República Tcheca isolado, por exemplo, não tem o mesmo poder para negociar com a China e os EUA.

Como o sr. vê o crescimento da extrema direita na Europa?

Extremamente preocupante. Se Marine Le Pen [candidata da Frente Nacional] ganhar as eleições na França, por exemplo, a Europa existente pode não continuar. Na Alemanha, onde haverá eleições em setembro, estou mais seguro, porque temos [como prováveis vencedores do pleito] a chanceler Angela Merkel, uma líder pró-UE, ou Martin Schulz, do Partido Social-Democrata, que foi presidente do Parlamento Europeu e é pró-Europa de cérebro e coração.

O recente ataque terrorista em Berlim, o "brexit" e a crise dos refugiados não podem ter influência na eleição alemã, como, por exemplo, o crescimento da AfD [Alternativa para a Alemanha, na sigla em alemão], um partido populista de direita?

Acho que a AfD pode alcançar entre 10% e 15% de votos. É um grupo completamente novo no Parlamento.

A política de Merkel em relação aos refugiados não contribui para esse cenário?

Quando tivemos o fluxo enorme de refugiados, o Estado não teve controle sobre as fronteiras. Agora, tem. No entanto, para pessoas que votam na AfD a crise continuará porque há esse medo de aceitar, integrar muçulmanos, estrangeiros, de perder a identidade alemã, de que não somos mais alemães, não falamos mais alemão, algo estranho em termos de identidade.

Esse medo é uma realidade, e os partidos tradicionais não têm resposta clara e suficiente. De um lado, não faz sentido o governo e o Partido Social-Democrata começarem a imitar a extrema direita. Por outro lado, existem perguntas que são justificáveis.

É possível acreditar na assinatura do acordo de livre comércio entre UE e Mercosul?

Depois de 19 anos de negociações, não vou prometer que amanhã vamos concluí-las, mas temos interesse enorme de diversificar e intensificar os laços com outras regiões. Ao menos no lado europeu há uma urgência de acelerar tratados de livre comércio com países latino-americanos.

Há uma preocupação do governo alemão com a situação da economia brasileira?

Claro, observamos a situação. O comércio entre os dois países decresceu bastante, 20% mais ou menos. Os investimentos da Alemanha estão estáveis, em vez de crescer. Entreguei o convite de Merkel ao presidente Michel Temer para consultas de alto nível [entre os dois] em Berlim. Estamos falando há umas duas, três semanas sobre data.

Falando em Temer, como o governo alemão avalia os eventos políticos do ano passado no Brasil?

O governo brasileiro foi estabelecido de uma maneira perfeitamente de acordo com a Constituição e as leis. Não comentamos os motivos políticos e não subscrevemos a narrativa de um golpe.

Nós temos a Lava Jato, e vocês tiveram o escândalo de corrupção da Siemens na Alemanha. O sr. vê semelhanças?

Algo como a Lava Jato existia na Alemanha há 10 anos. Grandes empresas, Siemens e outras estão limpas. É necessário, depois de realizar reformas, ter uma indústria limpa. A Siemens obteve um lucro enorme no ano passado. E o que acontece agora no Brasil é impressionante.

Não conheço muitos países onde a procuradoria, a polícia, os tribunais superiores e regionais fazem um trabalho tão forte. Mostrem-me algum outro país onde a luta contra corrupção é tão grande.

A embaixada tem informado o governo sobre os acontecimentos no Brasil, não?

Estamos reportando sobre a rede de corrupção da Odebrecht na América Latina, como Peru, outros países. Não sou profeta, mas ao menos agora existe uma oportunidade de renovar a sociedade no Brasil e alcançar um patamar muito mais limpo, o que significa que o custo Brasil pode diminuir.

Menos dinheiro para políticos corruptos também indica que construir uma rua, um prédio, uma escola, será muito mais barato.


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