Folha de S. Paulo


Correa foi um retrocesso, afirma presidenciável opositor no Equador

Pela primeira vez em dez anos, o Equador chega às vésperas de uma eleição com o resultado em aberto. Nos três últimos pleitos (2006, 2009 e 2013), Rafael Correa, 53, que se despede agora do cargo, venceu com facilidade.

Para a disputa do próximo dia 19, o cenário não está claro, pois mais de 40% dos eleitores se dizem indecisos. Num país em que as pesquisas sempre discreparam muito, a diferença entre o primeiro colocado, o candidato governista Lenin Moreno, 63, e o segundo, Guillermo Lasso, 61, varia entre 6 e 8 pontos percentuais, indicando um possível segundo turno, a ser disputado em 2 de abril.

Rodrigo Buendia - 5.fev.2017/AFP
O candidato à Presidência do Equador Guillermo Lasso durante debate no último dia 5
O candidato à Presidência do Equador Guillermo Lasso durante debate no último dia 5

A terceira colocada, Cynthia Viteri, de centro-direita, está dois pontos atrás de Lasso, e também tem chances.

Contra a hegemonia de Correa e da "revolução cidadã" (versão local do "socialismo do século 21" venezuelano), Lasso tem plataforma semelhante à de outros candidatos de direita que se elegeram na região, como Mauricio Macri (Argentina) e Pedro Pablo Kuczynski (Peru).

Leia abaixo a entrevista que Lasso concedeu por telefone à Folha.

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Folha - Por que o sr. quer ser presidente do Equador?

Guillermo Lasso - Comecei a trabalhar há 45 anos. Enquanto políticos tradicionais olhavam apenas para seus próprios interesses, criei empregos para mais de 100 mil pessoas no setor privado. E sei que posso fazer muito mais, agora, pelos equatorianos, só que a partir do setor público, com políticas que geram prosperidade de verdade.

Creio que, com minha experiência e a da equipe que me acompanha, podemos fazer com que o Equador explore o seu potencial, cresça e se abra para o mundo. Nossa proposta de mudança é clara: criar 1 milhão de empregos em quatro anos. Para isso quero ser presidente.

Então acredita que se possa levar a filosofia da gestão privada à administração pública?

Sim, minha experiência de mais de quatro décadas no setor privado me permitiu entender o que nosso país precisa para investir e estimular a criação de empregos: um entorno adequado para produzir e mais liberdade para empreender. Sou o único candidato com experiência em criação de empregos, e essa justamente é a melhor credencial que posso apresentar.

E como pretende alcançar isso, agora que a América Latina vive novo momento econômico? Há uma desaceleração do crescimento, causada principalmente pelo fim do "boom" das commodities" e a queda do preço do petróleo, tão importante para o Equador.

Nossa proposta é "despetrolarizar" a economia. De fato, a queda do preço do petróleo afetou nossas receitas. Porém, teria sido possível aproveitar melhor os recursos do "boom" petroleiro e fazer com que o impacto fosse menor. Vamos propor um projeto de lei que nos permita criar uma regra fiscal para uma administração eficiente dos recursos públicos. Economizar na bonança para financiar o orçamento na escassez.

Acreditamos que o empreendimento seja o principal meio de superar nossa petrodependência. Vamos liberar o comércio, tornar mais fortes as relações com os principais sócios comerciais, eliminar impostos e todas as travas que existem no comércio.

Países que tiveram eleições ou mudanças de comando nos últimos tempos, como Argentina, Peru e Brasil, optaram por governos mais ao centro ou à direita. O sr. acredita que tenha terminado a chamada "onda vermelha" na região?

O fracasso do chamado "socialismo do século 21" é evidente na região. É a rejeição natural dos cidadãos à excessiva intervenção do Estado em todas as facetas de suas vidas. Os equatorianos querem propostas que não só reativem a economia e devolvam a institucionalidade, mas também que façam com que, novamente, se respeitem a leis.

Como avalia a década de governo de Rafael Correa?

Do ponto de vista econômico, vejo uma administração que não permitiu aos equatorianos se beneficiar mais da bonança do petróleo. Depois de dez anos, nosso país continua enfrentando o mesmo nível de desemprego e de emprego precário que tínhamos em 2006. Não avançamos significativamente em termos de acordos comerciais com outros países.

Do ponto de vista institucional, o modelo de Correa foi um retrocesso. Prova disso são as dezenas de casos de corrupção que caracterizaram o governo e a evidente deterioração do Estado de Direito.

O governo avançou sobre a liberdade de expressão com leis absurdas como a Lei de Comunicação (que criou uma agência reguladora e cotas para meios) e emitiu decretos que afetaram o exercício de várias entidades da sociedade civil, entre outros abusos.

Entre os avanços, menciono o investimento na infraestrutura produtiva e social.

Como pretende atuar em situações conflituosas de países da região, com a Venezuela na agonia do chavismo e a Colômbia lutando para implementar o acordo com as Farc?

Solicitaremos à Organização dos Estados Americanos (OEA) que se aplique a Carta Democrática à Venezuela. No caso da Colômbia, somos respeitosos de sua soberania, e nossa posição sempre será a de respaldar acordos de paz.

Como impacta ao Equador a eleição de Donald Trump?

Queremos reativar a economia e, para isso, é vital fazer um acordo com nosso principal sócio comercial, os EUA. A proposta para eles é clara: queremos aderir ao tratado com o qual já contam Colômbia e Peru, no marco da complementaridade de produtos que resulte em benefícios para ambas as partes.


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