Folha de S. Paulo


Cientistas se mobilizam politicamente para evitar retrocessos com Trump

Jason Henry/The New York Times
O biólogo Michael Eisen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, planeja concorrer ao Senado
O biólogo Michael Eisen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, planeja concorrer ao Senado

Michael Eisen, biólogo evolutivo, é parte da elite científica dos Estados Unidos, como professor titular na Universidade da Califórnia em Berkeley, e conta com verbas generosas do Instituto Médico Howard Hughes para suas pesquisas sobre drosófilas.

Mas no final do mês passado, inconformado com o aparente desdém do governo Trump quanto às provas científicas sobre a mudança do clima e outras questões, Eisen criou uma conta no Twitter sob o nome @SenatorPhD e declarou sua intenção de disputar um posto no Senado federal em 2018, pela Califórnia. O lema de sua campanha: "liberdade, igualdade, realidade".

"Não estou certo de que sou o melhor veículo para isso", disse Eisen, cujos trajes de trabalho são calções e camisetas com lemas em apoio do acesso aberto a literatura científica, uma causa que ele defende. "Mas se queremos defender o papel da ciência no processo político, os cientistas precisam começar a disputar postos eleitorais".

Desde a eleição de Trump, muitos outros cientistas expressaram preocupação sobre rumores e declarações públicas das visões do novo governo sobre ciência, mudança do clima e o papel de organizações federais como a Agência de Proteção Ambiental (EPA).

Trump considera a mudança do clima como trapaça científica (ainda que, em declaração mais recente, tenha mudado de tom e tido ter "a mente aberta" quanto a isso), e indicou para sua equipe de transição algumas pessoas que contestam as opiniões geralmente aceitas sobre a mudança do clima. Mas resta muita coisa por saber sobre as atitudes de seu governo com relação à ciência.

O presidente ainda não apontou um assessor científico e não respondeu a cartas abertas que apelam que o faça enviadas por grupos envolvidos com a política científica, a exemplo da Associação Americana pelo Progresso da Ciência (cujo presidente, Rush Holt, é físico e já foi deputado federal).

Poucos cientistas foram tão longe quanto Eisen, mas outros pesquisadores estão passando por um despertar político, e contemplam que papel devem exercer nos próximos anos.

"Existem muitas conversações em curso, agora, "disse Naomi Oreskes, historiadora da ciência na Universidade Harvard que discursou em uma das primeiras manifestações de cientistas contra Trump, em San Francisco, em um comício durante a reunião anual da União Geofísica Americana, em outubro. "Muitos cientistas acreditam que é hora de deixar a passividade para trás".

AÇÃO POLÍTICA

Um comitê de ação política que busca estimular mais cientistas e engenheiros a disputar postos eletivos, o 314 Action, vem atraindo interesse intensificado para seus programas, e mais de duas mil pessoas se registraram em seu site. A organização está planejando um programa de treinamento para cientistas candidatos a postos eletivos municipais, estaduais ou no Congresso federal.

Outros cientistas organizaram manifestações —entre as quais uma marcha marcada para o Dia da Terra, em 22 de abril—; escreveram cartas ou artigos de opinião para organizações noticiosas; ou aderiram a esforços para preservar dados dados governamentais que de outra forma poderiam desaparecer.

Indivíduos e grupos também se pronunciaram contra a ordem de Trump restringindo a entrada de cidadãos do Irã, Iraque e outros cinco países nos Estados Unidos, uma ação que afetou alguns pesquisadores.

Naomi Waltham-Smith/The New York Times
Voluntários guardam dados do governo para backup de informações sobre meio ambiente na Filadélfia
Voluntários guardam dados do governo para backup de informações sobre meio ambiente na Filadélfia

Mas para muitos cientistas, o papel de ativista não é fácil.

"Tenho muitos colegas que preferem ficar sozinhos em seus laboratórios", disse Jonathan Overpeck, diretor do Instituto do Meio Ambiente, na Universidade do Arizona. Mas mesmo assim ele tem visto cientistas dispostos a dar pelo menos os primeiros passos rumo à mobilização.

"No momento, estamos principalmente discutindo o que fazer", ele disse. "Somos cientistas. Tendemos a planejar o que faremos com o maior cuidado, e depois tentamos realizar o plano da melhor maneira possível. Mas certamente existe uma sensação forte de que vivemos um perigo muito real".

Boa parte da preocupação entre os cientistas está centrada na EPA, que foi um dos alvos favoritos de Trump na campanha eleitoral. Comentários de integrantes de sua equipe de transição levaram a especulações de que o novo governo poderia esvaziar os quadros científicos da agência.

Ainda que enfatizasse estar falando em nome pessoal, Myron Ebell, que comandou a equipe de transição na EPA mas deixou o posto em 19 de janeiro, declarou recentemente que o lado científico da agência havia se politizado em excesso.

"Acredito muito na ciência", disse Ebell, "mas não acredito muito em ciência politizada".

POLÊMICA

Muitos cientistas argumentariam que quem politiza a ciência são as pessoas que negam a mudança do clima e seus aliados. A questão sobre cientistas tomarem ou não partido político é antiga, e a posição dominante entre muitos pesquisadores é a de que eles devem manter o silêncio e permitir que os dados científicos falem em seu nome.

Mas a ideia de que cientistas devem se manter isolados das disputas vem perdendo terreno, à medida que os pesquisadores percebem que o seu distanciamento talvez seja culpado pelo desdém do público quanto a dados concretos sobre questões como a mudança do clima ou a segurança das vacinas.

E na era de Trump, alguns deles dizem que a opção pelo distanciamento pode desaparecer de vez.

"Creio que muita gente já tenha deixado isso para trás", disse Andrew Rosenberg, diretor do Centro para a Ciência e Democracia da Union of Concerned Scientists, uma organização de cientistas mobilizados que está convocando cientistas a monitorar o que está acontecendo nas agências federais norte-americanas.

Sarah Rice/The New York Times
A ecologista Jacquelyn Gill foi convidada por um financiador para ser candidata a deputada pelo Maine
A ecologista Jacquelyn Gill foi convidada por um financiador para ser candidata a deputada pelo Maine

"Manter a distância é tolice. Os cientistas precisam seguir seus corações. É possível fazer ciência e ser um bom cidadão ao mesmo tempo".

Os jovens estão à frente, nessa rejeição da velha postura, segundo Rosenberg. "Cientistas em começo de carreira, cientistas jovens —para eles a resposta não é essa", ele afirmou.

Chanda Prescod-Weinstein, cosmologista e física de partículas na Universidade de Washington, está entre esses pesquisadores jovens. Politicamente ativa há muito tempo —ela vem de uma família de organizadores políticos e participou de sua primeira manifestação aos dois meses de idade—, a retórica e as ações do governo Trump ainda assim lhe causaram novas preocupações.

Prescod-Weinstein disse os esforços de algumas organizações científicas para se aproximarem do governo Trump —pelo menos na opinião dela e de outros observadores— eram especialmente irritantes.

Imediatamente depois da eleição, ela recorreu à mídia social para criticar um release noticioso da Associação Americana de Física que instava Trump a reforçar a liderança científica e citava seu slogan de campanha, "trazer de volta a grandeza da América".

"O que a História nos ensina é que colaborar não funciona, para a ciência", disse Prescod-Weinstein. "Se temos de trabalhar com governos extremistas, racistas, anti-islâmicos ou nacionalistas, isso não funciona para a ciência".

O release foi rapidamente retirado e a sociedade rapidamente se desculpou por qualquer "ofensa que possamos ter causado".

Michael Lubell, professor de física e antigo diretor de assuntos públicos da organização, que terminou demitido de seu posto sem explicação, disse que "inicialmente as pessoas estavam preocupadas com a possibilidade de represálias se alguém criticasse Trump".

"Agora as pessoas estão por fim percebendo que temos um cara na Casa Branca que nada entende sobre política científica", disse Lubell. "Agora elas estão se mobilizando. Mas não há qualquer estratégia".

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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