Folha de S. Paulo


'Feitiço' de Trump contra a China no comércio pode virar contra 'feiticeiro'

Kevin Lamarque - 23.jan.2017/Reuters
O presidente Donald Trump exibe no Salão Oval, em Washington, ordem executiva que retira os EUA do Tratado Transpacífico
Donald Trump exibe no Salão Oval ordem executiva que retira os EUA do TPP

Ao anunciar na segunda-feira (23) a retirada dos Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), o presidente Donald Trump celebrou a ocasião como um símbolo de sua estratégia de fazer frente ao poderio econômico da China na região Ásia-Pacífico (que engloba também a Oceania).

Mas a ação de Trump, que desfez sete anos de árduas negociações de seu antecessor, Barack Obama, poderá acabar servindo justamente como uma ferramenta para consolidar a presença de Pequim na área.

Obama fez de tudo para que a China fosse excluída do tratado, que engloba outros 11 países transpacíficos, entre eles três latino-americanos –México, Peru e Chile.

Os outros integrantes são: Japão, Malásia, Vietnã, Cingapura, Brunei, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Washington buscava assim aumentar sua presença em uma das zonas econômicas mais dinâmicas do mundo, e ao mesmo tempo impedir que a China preenchesse um "vazio regional".

Por isso, a retirada americana, por força do decreto presidencial assinado por Trump, parece abrir uma brecha para que a China faça justamente o que Obama temia.

'TPP MENOS UM'

Apesar de alguns especialistas considerarem que a saída dos EUA significa o fim do TPP, já que o maior incentivo para os outros participantes era o acesso facilitado ao mercado americano, alguns países sinalizaram que querem seguir adiante com o processo.

Austrália e a Nova Zelândia já anunciaram seu desejo de criar uma espécie de "TPP menos 1".

O ministro do Comércio da Austália, Steve Ciobo, disse acreditar que o tratado não deve ser abandonado e, durante o Fórum Econômico de Davos, na semana passada, teve várias reuniões com países integrantes do TPP.

"Conversamos com Canadá, México, Japão, Nova Zelândia, Cingapura e Malásia", disse o ministro à rede de TV australiana ABC.

"Sei que houve conversas anteriores com Chile e Peru, então há vários países interessados em ver se podemos fazer funcionar o 'TPP 12 menos 1'", acrescentou.

Ciobo deixou a porta aberta para a China ao dizer que a "arquitetura" do acordo permite o ingresso de outros países.

"A Indonésia manifestou interesse e há margem para a China se formos capazes de reformular o acordo".

O premiê neozelandês, Bill English, disse ter esperanças de manter o acordo vivo e seu ministro do Comércio, Todd Clay, disse à mídia local que se reunirá nos próximos meses com colegas dos outros países do TPP para buscar "a fórmula para seguir adiante".

A entrada da China já tem há alguns meses um defensor declarado: o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, que criticava o acordo por excluir Pequim, o principal parceiro comercial do país sul-americano.

Na terça-feira (24), Kuczynski propôs um acordo alternativo para a inclusão dos chineses e que se estendesse também a um outro gigante asiático, a Índia.

"Assim, teríamos as melhores partes do TPP e nos desfaríamos das piores", disse ele.

ESPERANÇA JAPONESA

Mas qualquer possibilidade de manter vivo o acordo depende do Japão, dono da terceira maior economia do mundo e a primeira do TPP após a saída dos EUA.

Até agora, o primeiro-ministro do país, Shinzo Abe, se limitou a expressar a esperança de persuadir o novo governo americano a rever a sua decisão.

"Creio que o presidente Trump entende a importância do comércio livre e justo. Gostaria de continuar buscando sua compreensão sobre a importância estratégica e econômica do TPP", disse Abe na segunda-feira, em um pronunciamento no parlamento japonês.

O ministro das Finanças do país, Taro Aso, disse na terça-feira que Abe viajará aos EUA para se reunir com Trump.

Uma mudança de posição de Washington é considerada fundamental pelo Canadá, para quem o TPP não pode seguir sem os EUA.

"Este acordo foi feito de forma que só pode entrar em vigor se ratificado pelos EUA", disse a ministra das Relações Exteriores, Chrystia Freeland.

O Canadá, no entanto, não parece disposto a apenas esperar por Trump. Esta semana, o primeiro-ministro, Justin Trudeau, disse que investirá na negociação de acordos bilaterais com Japão e China, ressaltando que em fevereiro serão realizadas as primeiras conversas com Pequim.

Trudeau evitou responder a perguntas sobre a participação canadense em uma versão do TPP sem os EUA.

Ruben Sprich - 17.jan.2017/Reuters
 Chinese President Xi Jinping attends the World Economic Forum (WEF) annual meeting in Davos, Switzerland January 17, 2017. REUTERS/Ruben Sprich ORG XMIT: DBA141
O presidente chinês, Xi Jinping, defende aliança comercial regional na Ásia-Pacífico

MAS O QUE DIZ A CHINA?

Na teoria, a China foi favorecida pelo anúncio de Trump, mas o governo da segunda maior economia do mundo ainda não se manifestou sobre a possibilidade de aderir ao TPP.

Na terça-feira, em uma entrevista coletiva em Pequim, uma porta-voz do governo evitou respostas mais diretas sobre o assunto, dizendo apenas que a China defende "rotas comerciais mais abertas na região do Pacífico" e "soluções que beneficiem a todos".

"Acreditamos na cooperação regional e estamos abertos a acordos econômicos regionais transparentes. As economias da Ásia-Pacífico são diferentes. Estamos prontos para trabalhar com todas as partes para darmos ímpeto à economia global e da região".

Pequim tem feito lobby por uma área livre de comércio na região e, durante o Fórum Econômico de Davos, o presidente Xi Jinping defendeu a ideia e criticou medidas protecionistas, em um discurso interpretado como uma alfinetada em Trump sua filosofia de "América em primeiro lugar".

Mas as palavras de Xi Jinping foram vistas também como um sinal de que a China se vê diante de uma oportunidade de exercer um papel mais significativo no comércio mundial, aproveitando a possível brecha aberta pelos EUA.

O destino do TPP, porém, ainda parece muito incerto.


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