A Suprema Corte do Reino Unido decidiu nesta terça-feira (24) que o governo precisa do aval do Parlamento antes de dar o início formal ao "brexit", a saída britânica da União Europeia (UE).
A decisão da Justiça, com oito magistrados contra três, é um sério revés para a primeira-ministra conservadora, Theresa May, que planeja acionar o processo até o fim de março. Ela depende, agora, do voto dos legisladores.
Parliamentary Recording Unit - 18.jan.2017/AFP | ||
A primeira-ministra britânica, Theresa May, que conduz o "brexit" |
A maior parte deles havia preferido continuar na União Europeia, quando o "brexit" foi aprovado em plebiscito, em 23 de junho.
Não há, porém, expectativa de que o Parlamento vete o "brexit". Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista, a principal força de oposição, orientou sua bancada a não impedir a desvinculação.
É provável, por outro lado, que legisladores peçam mudanças nos planos do governo e atrasem o cronograma.
Eles devem se opôr, por exemplo, a que o Reino Unido deixe o mercado único europeu, que reúne 500 milhões de consumidores.
Reagindo à decisão da corte, David Davis, secretário britânico para o "brexit", disse que o veredito "não muda o fato de que o Reino Unido deixará a UE".
May deve apresentar ao Parlamento nos próximos dias uma lei que entregue ao governo o poder de acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa. É esse artigo que dá início formal ao processo de saída. As negociações devem durar cerca de dois anos.
A Suprema Corte também decidiu nesta terça-feira que as legislaturas regionais da Escócia e da Irlanda do Norte não têm poder de veto sobre o processo de saída da União Europeia, ao qual se opõem.
PARLAMENTARISMO
A questão em debate era jurídica. A Suprema Corte não julgou o mérito do "brexit" em si, mas a quem cabe a prerrogativa de iniciá-lo.
O governo de May dizia que a palavra final era sua. Insatisfeitos, cidadãos britânicos foram à Justiça para exigir que a tarefa fosse transferida ao Parlamento.
A base para o pedido, aceito pela corte, era de que foram os legisladores que incluíram o Reino Unido na União Europeia e, dessa maneira, apenas eles podem anular a própria decisão.
"Comemoramos o resultado, mas esse é apenas o começo do processo", diz à Folha Grahame Pigney, um dos líderes do movimento People's Challenge (o desafio do povo). Pigney foi um dos cidadãos que reivindicou a prerrogativa do Parlamento.
As discussões eram, para ele, também sobre quem tem a soberania no Reino Unido: governo ou legisladores.
Ele afirma esperar, agora, que o Parlamento possa analisar a questão com tempo e informações o suficiente, incluindo um debate social.
"Quero que o Parlamento decida se a saída do Reino Unido é realmente melhor do que permanecer na União Europeia", diz. Ciente de que May preferia acionar o processo em breve, ele afirma: "Mas o governo não é o poder soberano neste país."
Em dezembro, a Justiça britânica já havia dado razão à ação apresentada por cidadãos, afirmando que o governo deveria consultar o Parlamento antes de dar início ao "brexit". O governo questionou a decisão, mas teve seu recurso rejeitado pelo decisão da Suprema Corte desta terça-feira.
BRASILEIRO
Havia várias ações semelhantes na Justiça, uma delas com a participação do cabeleireiro brasileiro Deir dos Santos, com passaporte britânico e residente em Londres.
A reportagem da Folha entrou em contato com seus representantes legais, mas ele se recusou em comentar o caso, dizendo preferir não estar nos holofotes. Ele teria sido alvo de hostilidades desde o início do processo e recebido diversas ameaças.
Em uma nota, Santos afirmou que "esta é uma vitória para a nossa democracia parlamentar e para o Estado de direito". "Quaisquer que sejam as mudanças que estejamos prestes a enfrentar, tranquilizador é o fato de que esses dois princípios sagrados foram reafirmados."