Folha de S. Paulo


Relação de Trump com Nova York, sua cidade natal, piorou após eleição

A imagem indissociável que Donald Trump tem com a cidade onde mora é genuína. Afinal de contas, ele é nova-iorquino da gema.

Nasceu num hospital do bairro periférico do Queens e morou até os quatro anos de idade —antes de sua família se deslocar para Manhattan— num sobrado de cinco quartos da região que, na última terça-feira (17), foi leiloado por um agente imobiliário. O valor da transação ainda não foi revelado.

Bryan Smith/AFP
Manifestantes carregam cartazes contra Trump em protesto em frente a seu hotel, em Nova York
Manifestantes carregam cartazes contra Trump em protesto em frente a seu hotel, em Nova York

Mas desde que Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos em novembro, Nova York vive uma relação de pouco amor e muito ódio com o bilionário.

"Neste momento, é bastante complicado pensar em convidá-lo para qualquer evento cultural importante: ele é persona non grata entre os artistas, que ele alienou completamente com suas assustadoras posições políticas", disse à Folha, pedindo o anonimato, um famoso produtor de Hollywood que vive na cidade.

AZEDOU

Amizades cordiais como a que Trump mantinha com Lorne Michaels, criador do programa humorísitico de TV "Saturday Night Live", azedaram —principalmente depois que o ator Alec Baldwin foi contratado para satirizar Trump no programa.

A aversão à Trump foi estendida a seu vice-presidente, Mike Pence. Em novembro, ao assistir a uma sessão do musical fenômeno da Broadway "Hamilton", Pence foi vaiado pelo público.

Um passeio por bairros como o do East Village e do Greenwich Village, onde está a Universidade de Nova York, revela dezenas de faixas nas janelas e muros pixados com frases como "Not My President Ever" (nunca será meu presidente), "She got more votes" (ela teve mais votos, em referência à candidata democrata Hillary Clinton, que teve 2,9 milhões de votos a mais que Trump na votação popular, mas perdeu nos votos do Colégio Eleitoral) e "Love Trumps Hate" ("o amor supera o ódio").

A presença de Trump e de sua equipe de transição na Trump Tower, na Quinta Avenida, onde o bilionário mora, virou uma fortaleza guardada pelo Serviço Secreto americano e pela polícia de Nova York, causando grandes transtornos no trânsito e no comércio de luxo da região.

A joalheria Tiffany, cuja fachada foi imortalizada no filme "Bonequinha de Luxo", estrelado por Audrey Hepburn, anunciou na terça-feira que teve uma baixa de 14% em suas vendas de final de ano por causa do difícil acesso do público à loja.

A ironia é que Tiffany Trump, 23, filha do presidente eleito com a atriz Marla Maples, foi batizada em homenagem à joalheria.

Desde que eleito, Trump jantou no famoso 21 Club, onde Woody Allen rodou uma cena do filme "Um Misterioso Assassinato em Manhattan" (1993), e comeu um contrafilé com o ex-rival republicano Mitt Romney, presidenciável em 2012, no restaurante do chef francês Jean-Georges Vongerichten.

Foi muito bem tratado pelo staff e chegou a ser aplaudido pelos clientes. "Trump sempre será bem-vindo nos melhores endereços da cidade. Não podemos nos esquecer que ele ainda é um personagem nova-iorquino, que atrai muita publicidade", afirmou Linda Stasi, colunista social do jornal "Daily News", à Folha.

"A hierarquia social em Nova York foi demolida há muito tempo. Hoje em dia, até aquelas mulheres horrorosas e falsas do [programa] 'Real Housewives' são aceitas em festas e restaurantes da moda", acrescentou Stasi.

A segurança das ruas que circundam a Trump Tower, o fechamento do espaço aéreo acima da torre e traslados do comboio de Trump criaram um estresse adicional para a Prefeitura de Nova York, em estado de alerta constante para novos atos terroristas.

O prefeito democrata Bill de Blasio, que viveu às turras com Trump durante a eleição, teve que baixar a guarda e, num encontro cordial pós-eleição, traçou com o presidente um plano para a segurança do eleito em futuras visitas à cidade. O custo: US$ 500 mil por dia.

De Blasio apresentou ao governo federal a conta de US$ 35 milhões acumulada até a posse de Trump nesta sexta-feira (20). O reembolso foi, até o momento, de apenas US$ 7 milhões.

MÍDIA

De todos os segmentos da sociedade nova-iorquina, a mídia é o que vive o pior relacionamento com Trump.

De Anderson Cooper e Jeff Zucker, respectivamente âncora e CEO da rede CNN, passando por Graydon Carter, editor da revista "Vanity Fair", e vários editores do jornal "The New York Times", tiveram querelas com Trump que, no Twitter, constantemente acusa a imprensa de "desonesta".

Questionado pela Folha, via e-mail, sobre como a elite da mídia da cidade vai lidar com o presidente Trump, David Remnick, editor da revista "The New Yorker", disse: "Respondo por mim. Minha função é escrever e editar artigos justos, rigorosos, profundos e destemidos. Este é o trabalho de uma sociedade livre, especialmente se você quiser continuar que ela se mantenha livre".


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