Folha de S. Paulo


Casamento de mulheres com menos de 18 anos persiste em locais dos EUA

Esther mal completara 17 quando lhe apresentaram um homem "que tinha a blusa abotoada até o pescoço e arrotava sem parar". De família pobre, vinha de uma comunidade em que enlaces arranjados eram a praxe. Ele, por sua vez, era de um lar rico.

Os pais da jovem assinaram uma autorização, e em quatro meses ela estava casada. Era tão ingênua na época, diz, "que nem sabia que minha vagina se chamava vagina". Na noite de núpcias, ouviu do marido de 23 anos: "Se você pensa que é minha primeira, não é. Tenho feito sexo com prostitutas".

Benjamin Chasteen/Epoch Times
Naila Amin foi forçada a se casar nos EUA aos 15 anos com um primo de 28 que batia nela
Naila Amin foi forçada a se casar nos EUA aos 15 anos com um primo de 28 que batia nela

Ela chorou, e ele gritou que sua mulher tinha problemas mentais.

Casos como o de Esther não são raros em países em desenvolvimento, como a Índia, onde 27 milhões de mulheres que hoje têm de 20 a 24 anos casaram antes dos 18, segundo relatório de 2016 da Unicef (no Brasil são 3 milhões).

Esther cresceu numa comunidade judaica de Nova York. O problema pode ser mais raro, mas persiste no país que se vende como pilar da liberdade global. Em 2014, os EUA oficializaram a união de 57,8 mil jovens entre 15 e 17 anos, segundo dados do censo compilados pelo instituto Pew. São casos como o de Naila Amin, que foi forçada a casar aos 15 com um primo de 28 que batia nela.

A conta é conservadora, pois desconsidera quem casou com menos de 15 anos e quem se divorciou antes dos 18 (índice alto), aponta o Centro de Justiça Tahirih, que advoga pelo direito de mulheres e crianças. "A manchete deveria ser: é 2016, e a América ainda tem um problema sério com casamento infantojuvenil", diz comunicado.

Um estudo de 2011 da ONG projetava cenário mais alarmante: quase 10 milhões de americanas desposaram antes da maioridade (1,7 milhão com 15 anos ou menos).

Alguns Estados, como Massachusetts, ainda conservam valores que sobrepõem o desejo dos pais ao bem-estar dos filhos, respaldados por decisões judiciais que remontam ao século 19, segundo o Tahirih.

Jeanne Smoot, conselheira-sênior da ONG, afirma que, em oito Estados e no Distrito de Columbia, escrivães, não juízes, aprovam todas as licenças matrimoniais envolvendo menores.

"Isso coloca os EUA bem abaixo de muitos países ocidentais que impõem patamar sólido de 18 anos para o casamento, ou tem um juiz para cada caso com jovens de 16 e 17 anos."

Na maioria dos 50 Estados americanos, menores têm licença para casar com consentimento paterno (a vontade de noivos e noivas mirins muitas vezes é ignorada).

Em geral, a idade mínima –como em Nova York– é 16. Em New Hampshire, 13 para garotas e 14 para garotos. Na Califórnia e em Massachusetts, não há piso etário.

Homens são exceção em uniões precoces. "Mulheres são vistas como inferiores, em vez de um ser humano com direitos e vontades. É o que faz um pai achar que está intitulado a dizer, 'agora é hora de casar minha filha'", diz à Folha Helena Minchew, copresidente do braço americano da ONG Girls Not Brides (garotas, não noivas).

Estudos mostram que, fora o gênero, não há um denominador comum para caracterizar o fenômeno. Acontece em famílias cristãs, muçulmanas, hindus, judias, budistas. Atinge Estados progressistas (na Califórnia, média de 5,5 de cada mil garotas de 15 a 17) e conservadores (no Texas, 6,9).

Há casos em que um estrangeiro busca uma noiva nascida nos EUA para conseguir cidadania. Em outros, elas viram "troféu", como no de Zubaida (nome fictício). Paquistanesa trazida para viver com um americano muçulmano, achou que sua vida mudaria. Mas, após três abortos espontâneos, a sogra a espancou, e o marido a abandonou no aeroporto dizendo que a partir dali ela não era mais sua mulher.

Engrossam a estatística comunidades poligâmicas brancas, como fiéis de uma dissidência da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que se consideram "fundamentalistas mórmons" — e foram expulsos da igreja à qual pertenciam. Segundo documentos judiciais, membros mais velhos eram premiados com noivas de até 12 anos.

Antes de casar, Esther considerava seu maior pecado querer usar esmalte. Até que, para atender a fantasias sexuais do marido, submeteu-se a "coisas desconfortáveis", que hoje classifica como estupro coletivo.

Afeiçoado a drogas, "ele deve ter me estuprado um milhão de vezes quando estávamos juntos", conta ela, que se separou nove anos depois. Seu depoimento foi dado ao projeto Unchained at Last –enfim livre.


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