Folha de S. Paulo


Políticos descrevem experiência de entrevista para formar governo Trump

Quando o ex-governador da Geórgia Sonny Perdue saiu do elevador no 26º andar da Torre Trump na semana passada para uma entrevista com Donald Trump, imaginava que seria interrogado pelo presidente eleito e um exército de assessores, um pouco como as cenas de confronto em torno da elegante mesa de conferências no programa de TV "O Aprendiz".

O que ele encontrou, em vez disso, foi um Trump calmo e solícito sentado atrás de uma mesa de trabalho coberta de papéis e periódicos, numa grande sala de trabalho com um misto de memorabilia e decoração que aparentava ter mudado pouco desde os anos 1980.

Nick Ayers, assessor do vice-presidente eleito Mike Pence, e Stephen K. Bannon, que será o estrategista chefe de Trump, estavam ao fundo e ficaram ouvindo. Trump estava no comando e convidou Perdue a sentar-se do outro lado de sua mesa.

Jim Watson - 10.nov.2016/AFP
O presidente eleito Donald Trump durante encontro com o presidente Barack Obama na Casa Branca
O presidente eleito Donald Trump durante encontro com o presidente Barack Obama na Casa Branca

"Ele abordou o convite a mim do ponto de vista de quem busca fechar um acordo. Queria saber se estava no caminho certo", disse Perdue, que estava sendo avaliado para o cargo de secretário da Agricultura e foi à reunião usando gravata com estampa de tratores.

"Trump acha que nós nos Estados Unidos temos sido trouxas há anos no tratamento que demos a nossos concorrentes estrangeiros e ao comércio internacional –e eu concordo. Queria saber o que eu faria a esse respeito."

Durante mais de uma década, milhões de americanos assistiram a Trump na televisão, no programa "O Aprendiz", interrogando potenciais funcionários com um misto de arrogância e desdém.

Nas últimas semanas, no entanto, em um ambiente reservado, uma versão menos teatral dessa cena vem se repetindo no escritório dele em Manhattan e ocasionalmente em seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jersey, ou ainda em Mar-a-Lago, sua casa de férias em Palm Beach, Flórida.

O estilo de Trump quando entrevista candidatos na vida real é direto, mas de diálogo, de acordo com pessoas que já se sentaram diante dele. Segundo algumas dessas pessoas, ele não fez anotações nem pareceu consultar uma lista de perguntas previamente redigida, mas tinha dossiês prontos sobre os entrevistados.

Em vários casos o presidente eleito dos EUA mostrou ter conhecimentos detalhados sobre a experiência e o histórico passado dos candidatos. Trump raramente comia ou bebia qualquer coisa. Ele não tirava o paletó. Em Nova York, gostava de exibir a vista ampla do Central Park visível sobre seu ombro.

Os candidatos a cargos tiveram que desfilar diante da mídia no saguão de mármore e bronze da Torre Trump –"foi quase como percorrer o tapete vermelho de Hollywood", disse o deputado republicano Lou Barletta, da Pensilvânia, que se ofereceu para o cargo de secretário dos Transportes ou do Trabalho.

POUCA PACIÊNCIA

Os candidatos dizem que em muitos casos o presidente eleito fez perguntas que exigiam respostas abrangentes e que ele tinha pouca paciência com respostas verborrágicas ou que fugiam do ponto.

"Se você divagar, ele vai interrompê-lo", disse Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara e que esteve inicialmente entre os nomes cotados para se tornarem o secretário de Estado de Trump, mas desde então declarou não ter interesse em um cargo no gabinete. "Quer saber o que você pode fazer por ele."

Gringrich disse que o método usado por Trump para formar sua administração é o mesmo que o presidente eleito usou com seus negócios multibilionários.

"Trump está acostumado a definir empregos, a medir as capacidades das pessoas e avaliá-las. 'Você seria capaz de comandar meu campo de golfe? Seria um bom nome para administrar meu hotel? Será que vou querer seu restaurante em meu edifício?'", Gingrich explicou.

ESPERA

Parlamentares, generais, executivos de empresas e outros conversam diante da sala de trabalho de Trump, aguardando uma audiência com o presidente eleito. Barletta teve que esperar mais de 45 minutos para sua reunião. Ele passou o tempo batendo papo com seu colega deputado Michael McCaul, republicano do Texas, que aguardava ser entrevistado para o cargo de secretário da Segurança Interna.

"Era como uma sala de espera de um teatro, cheia de pessoas que você conhece ou de quem já ouviu falar, todo o mundo esperando sua vez", disse Robert L. Johnson, fundador da rede de televisão BET. Ele visitou Trump em Bedminster para discutir maneiras em que o próximo presidente pode procurar uma aproximação com afro-americanos.

Quando Johnson estava entrando, o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, que Trump está considerando para secretário de Estado, estava saindo.

Pessoas próximas a Trump disseram que o presidente eleito busca ter uma impressão intuitiva em relação a potenciais contratados, valorizando a química pessoal e o espírito empreendedor dos candidatos. Mas, para avaliar um candidato, ele também ouve as opiniões de assessores de sua confiança, especialmente Mike Pence e sua filha mais velha, Ivanka Trump.

O presidente eleito, que também valoriza a lealdade, procura saber exatamente o que cada candidato a cargo fez para ajudar a levá-lo para a Casa Branca.

"Ele me perguntou o que eu fiz para ajudar sua candidatura na Geórgia", disse Perdue. Ele disse ao presidente eleito que ele e seu primo, o senador David Perdue, tranquilizaram membros da campanha sobre as perspectivas de Trump nesse Estado e os encorajaram a concentrar suas energias em outros Estados.

Scott Brown, ex-senador do Massachusetts que se reuniu com Trump no mês passado para discutir a possibilidade de tornar-se o novo secretário de Assuntos dos Veteranos, disse que Trump perguntou como Brown poderia ajudá-lo a cumprir as promessas feitas na campanha e como garantir que os militares veteranos beneficiados por serviços da Secretaria de Veteranos ou de empresas contratadas particulares recebam algo de bom valor e custo competitivo.

"Ele deixou claro que é empresário e que vai delegar funções a pessoas como eu, potencialmente, e outros", disse Brown. "Vai dizer 'faça seu trabalho e o faça bem, se não você será despedido.'"

Tradução de Clara Allain


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