Folha de S. Paulo


Usina nuclear e refinaria paradas no interior de Cuba refletem crise

Jonathan Watts/Folhapress
Central Eletronuclear, projeto abandonado após o colapso da União Soviética, na província de Cienfuegos
Central Eletronuclear, projeto abandonado após o colapso da União Soviética, na província de Cienfuegos

Na Cidade Nuclear, a enorme abóboda da usina atômica projetada pelos soviéticos e que iluminaria praticamente toda Cuba jaz há 20 anos no meio do mato.

A alguns quilômetros dali, a chaminé de 192 metros da refinaria de Cienfuegos, uma parceria com a Venezuela, deixou de soltar fumaça há alguns meses, em meio a uma nova crise energética.

Primeiro Moscou e depois Caracas; Cuba sempre dependeu de um generoso aliado externo para compensar os limites da economia estatizada e décadas de bloqueio econômico norte-americano.

É na província de Cienfuegos, a cerca de 250 km de Havana, que os riscos dessa dependência estão mais evidentes. Um dos principais projetos de infraestrutura da era Castro, a Central Eletronuclear de Cuba começou a ser construída em 1980, com a assistência soviética. Para abrigar os trabalhadores, o governo ergueu uma cidade de 4.200 moradias.

Num discurso em 1984, Fidel Castro afirmou que, em operação, os quatro reatores seriam capazes de economizar 2,4 milhões de toneladas de petróleo por ano -uma enorme quantia para um país que precisa importar parte da sua fonte mais importante para geração elétrica.

Mas a usina nunca chegou a operar. Com o colapso da União Soviética, a obra foi abandonada em meados dos anos 1990. Alguns milhares perderam o emprego e tiveram de deixar a região, em meio à crise econômica mais dura desde a instalação do regime comunista, em 1959.

O entorno declinou e agora vive principalmente da agricultura. Na estrada vazia, cavalos e carroças são mais comuns do que carros. Em vários pontos, moradores se concentram à beira da via para uma longa espera por transporte, geralmente na boleia de um caminhão.

"Aqui, se supunha a cidade do futuro. Agora, não se sente assim de forma alguma", afirma a dona de casa Maria Ruiz (nome fictício), 41. "No começo, era um lugar muito bom. Havia comunicação, vinculo com técnicos estrangeiros e se via progresso. Logo, caiu por completo".

Ela chegou criança à região, trazida pelo pai, que trabalhou na construção da usina. Casou-se, teve um filho e acabou ficando.

Maior construção da cidade, um edifício de 18 andares na frente do bloco de apartamentos onde Maria mora engrossa a lista das diversas obras inacabadas por ali. Na fachada, lemas como "Resistir e Vencer". Nas paredes internas, desenhos pornográficos e de uma caveira com chapéu escrito "Cuba".

REFINARIA

Mais próxima de Cienfuegos, a refinaria é um dos vários projetos em Cuba financiado pelos petrodólares venezuelanos enviados pelo presidente Hugo Chávez (1954-2013). Na entrada da cidade, ele aparece num outdoor ao lado de Fidel, onde se lê "Nosso melhor amigo".

Construída inicialmente na era soviética, foi completamente reformada e hoje é uma empresa com 51% de capital cubano e 49% venezuelano, via estatal PDVSA.

Os problemas acompanham a grave crise econômica venezuelana. No primeiro semestre de 2016, o envio de petróleo subsidiado à ilha caiu 19,5%, para 83 mil barris.

Um das consequências foi a paralisação da refinaria, que já operava com capacidade mínima. Não há previsão para que volte a operar.

De acordo com o meio independente cubano Periodismo de Barrio, houve redução de 50% da iluminação pública das cidades e diminuição do horário de trabalho em algumas repartições públicas, entre outras medidas.


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