Folha de S. Paulo


Rebeldes sírios negociam com Rússia fim de cerco a Aleppo

Os rebeldes sírios estão envolvidos em negociações secretas com a Rússia para pôr fim aos combates na cidade de Aleppo, de acordo com líderes oposicionistas —um desdobramento que mostra como os Estados Unidos podem se ver excluídos do diálogo sobre um dos mais importantes conflitos do Oriente Médio.

Quatro líderes oposicionistas da região norte da Síria, controlada pelos rebeldes, afirmaram que a Turquia vem intermediando negociações em Ancara com Moscou, cuja intervenção militar em favor do ditador sírio, Bashar al-Assad, ajudou a virar em favor do governo o conflito iniciado cinco anos atrás.

"Os russos e turcos agora estão conversando sem a participação dos Estados Unidos. [Washington] foi completamente excluída das conversações e nem mesmo sabe o que está acontecendo em Ancara", disse um líder oposicionista, que pediu que seu nome não fosse mencionado.

Maxim Shemetov-27.jul.2016/Reuters
Russian President Vladimir Putin arrives for a personal send-off for members of the Russian Olympic team at the Kremlin in Moscow, Russia, July 27, 2016. REUTERS/Maxim Shemetov ORG XMIT: MOS11
Vladimir Putin em foto de arquivo

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ofereceu treinamento e armas em escala limitada aos rebeldes sírios, mas hesita em apoiá-los de forma mais vigorosa. O presidente eleito Donald Trump, enquanto isso, sinalizou disposição de apoiar os esforços do presidente russo, Vladimir Putin, para sustentar o regime de Assad, argumentando que eles estão trabalhando para erradicar os extremistas islâmicos.

Embora as negociações não sejam a primeira ocasião em que representantes dos rebeldes conversam com os russos, pessoas informadas sobre os detalhes dizem que são a primeira vez que um número tão grande de grupos oposicionistas está envolvido.

No entanto, as conversações vêm sendo prejudicadas pela tensão entre Ancara e Moscou. A Rússia confirmou na quarta-feira (30) que Putin conversou com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, após o líder turco afirmar que defende a derrubada de Assad. Um representante do governo turco, que pediu que seu nome não fosse mencionado, disse que as negociações sobre um cessar-fogo em Aleppo saíram dos trilhos depois que o comentário de Erdogan levou a delegação russa a suspender as conversações, à espera de uma conversa entre Putin e Erdogan.

Ainda que as negociações não tenham avançado muito, elas sublinham a mudança na dinâmica política do Oriente Médio. Os agentes regionais parecem mais dispostos a desconsiderar os Estados Unidos e buscar acordos diretos com a Rússia, que está ansiosa por promover sua imagem como uma potência capaz de intermediar esse tipo de acordo.

Editoria de Arte/Folhapress
RETOMADA DE ALEPPOExército sírio avança sobre áreas rebeldes na cidade

As forças do regime sírio na semana passada capturaram mais de um terço dos distritos que os rebeldes controlavam em Aleppo. Na quarta, os grupos rebeldes concordaram em formar uma aliança militar para ajudá-los a organizar melhor suas defesas.

Nenhuma das pessoas que falou sobre as negociações esclareceu se os rebeldes haviam se reunido face a face com os russos ou se as negociações são indiretas, mediadas por representantes da Turquia.

Falando depois de conversar com seu colega de cargo turco, na quarta, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que Moscou trabalharia com todas as partes envolvidas no conflito sírio. Questionado sobre conversações com os rebeldes, ele disse que "jamais evitamos contatos com quaisquer grupos políticos ou comandantes militares oposicionistas", acrescentando que a Turquia costumava informar os russos sobre os rebeldes.

Para Washington, quaisquer negociações desse tipo têm ramificações que vão além da Síria. Emile Hokayem, pesquisador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, atribui a marginalização dos Estados Unidos no conflito sírio a Obama, que segundo ele se mostrou relutante em envolver Washington em rivalidades regionais, o que levou os líderes do Oriente Médio a recorrer a Moscou.

O general líbio Khalifa Haftar, que controla uma parte do território de seu país devastado pela guerra, recentemente foi a Moscou em busca de apoio militar. A Turquia, tendo resolvido sua disputa com Moscou sobre o jato militar russo abatido pelas defesas do país, aparentemente chegou a um acordo com a Rússia que permite que Ancara mantenha forças militares em certas áreas do norte da Síria.

O Egito e diversos países do Golfo Pérsico também vêm dialogando mais com a Rússia, acrescentou Hokayem. Charles Lister, do Instituto para o Oriente Médio, em Washington, disse que a primeira reunião entre a Rússia, a Turquia e os rebeldes aconteceu segunda-feira (28) em Ancara, e que novo encontro estava marcado para esta sexta (2).

"A Rússia está tentando cobrir suas apostas", ele disse. "Se Aleppo cair, o regime sírio necessitaria de tantas tropas para controlar a cidade que ficaria exposto em outras regiões —ou dependeria mais de apoio iraniano, algo que Moscou prefere evitar".

Enquanto isso, os Estados Unidos estão buscando negociar um cessar-fogo na Síria com a ajuda da Rússia, no chamado processo de Genebra.

Um líder oposicionista crê que a busca de um acordo com os rebeldes por parte de Moscou, em um momento em que Assad parece estar vencendo, equivalia basicamente a dizer "que se ferrem os americanos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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