Folha de S. Paulo


Morte de ditador pode deixar vácuo no poder de Cuba, diz exilado nos EUA

Francisco "Pepe" Hernández, 80, solta um suspiro de alívio ao lembrar do momento em que soube da morte de Fidel Castro.

Presidente da Fundação Nacional Cubano Americana, um dos mais influentes grupos de oposição ao regime cubano no exílio, Hernández deixou a ilha em 1960, um ano depois da revolução socialista liderada por Fidel, e logo tornou-se ativo nos planos para derrubar o ditador.

Rodrigo Arangua/AFP
 A soldier holds a picture of late Cuban revolutionary leader Fidel Castro as Cubans gather at Revolution Square to pay homage to him, in Havana, on November 29, 2016. A titan of the 20th century who beat the odds to endure into the 21st, Castro died late Friday after surviving 11 US administrations and hundreds of assassination attempts. No cause of death was given. Castro's ashes will go on a four-day island-wide procession starting Wednesday before being buried in the southeastern city of Santiago de Cuba on December 4. / AFP PHOTO / RODRIGO ARANGUA ORG XMIT: RAA1553
Soldado segura cartaz com foto do ditador cubano Fidel Castro em meio a homenagens por sua morte

Foi um dos 1.500 exilados cubanos que participaram da fracassada invasão da baía dos Porcos, apoiada pelos EUA em 1961, que hoje considera ter sido um erro.

Em entrevista à Folha, na sede da fundação, ele disse temer um vácuo de poder que leve a uma guerra civil em Cuba e rechaçou os elogios aos avanços promovidos pela revolução de Fidel: "Cuba seria muito melhor se Fidel Castro não tivesse existido".

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Folha - Como recebeu a notícia?

Francisco Hernández - Foi como se um manto negro tivesse sido levantado. Fidel Castro imperou sobre a minha vida e as vidas de três gerações de cubanos de uma forma violenta e exaustiva. Sabíamos que sua liderança havia se enfraquecido, mas sempre permaneceu o temor da repressão. Por isso a sensação de paz por saber que ele já não está entre nós e já não pode mais exercer o terror e o controle sobre a vida dos cubanos. É uma sensação de descanso: finalmente acabou.

Como a morte de Fidel influencia a dinâmica de poder em Cuba?

O problema de Raúl Castro neste momento é, na ausência de Fidel Castro, continuar exercendo controle sobre a população cubana. Raúl não tem o mesmo poder de oratória, a capacidade de estremecer o público. Terá que usar outras armas.

Quando ficou doente, Fidel dividiu o poder entre o irmão e seus agregados. Dessa divisão o único que sobrou foi Raúl, que eliminou um a um e os substituiu por gente de sua confiança, criando uma máfia familiar.

O aumento da repressão é um mecanismo de autodefesa de todo governo totalitário. Quanto mais fracos, maior a repressão. Fidel Castro sempre dizia que a única coisa que o governo não pode permitir é que lhe roubem a rua.

Qual será o efeito da morte de Fidel sobre a oposição?

Espero que torne a sociedade civil cubana sobre suas responsabilidades, que o problema de Cuba não será resolvido nem por Obama nem por Trump, nem pelo Brasil, cabe aos cubanos. As reformas tem que ser feitas sem caos e sem vazio de poder.

Se isso ocorrer haverá um grande derramamento de sangue, que irá levar a um retrocesso de 20 anos. O melhor depois da morte de Fidel seria que Raúl e a cúpula governante tivessem consciência de que é preciso evitar essa situação.

Em Cuba os apoiadores de Fidel chamam dissidentes como o senhor de mercenários. Revendo sua história, incluindo a invasão da baía dos Porcos, há algum arrependimento?

Naquela época acreditávamos que precisávamos salvar o povo cubano com armas. É algo que de certa forma aprendemos com o regime castrista. Era uma época de violência. O regime cubano foi estabelecido e mantido pela violência, enquanto nós da oposição a abandonamos porque entendemos que é contraproducente.

Talvez nosso maior erro tenha sido aceitar a liderança dos EUA e da CIA [serviço secreto americano] em determinar a forma como lutaríamos. Isso não faz de nós mercenários, porque lutávamos pela nossa pátria. Os erros dos americanos fortaleceram enormemente Fidel Castro e criaram o mito de invencibilidade que ele manteve até o fim. Sem a invasão da baía dos Porcos, Fidel Castro não teria chegado a ter o controle tão extraordinário que teve.

Como vê a declaração do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, de que pode reverter a aproximação iniciada por Barack Obama?

O movimento feito por Obama é correto e necessário. Mas ele não entendeu que é um regime totalitário não se permite mostrar fraqueza numa negociação com uma potência estrangeira. O erro foi ir a Cuba com a premissa de dar tudo sem pedir nada em troca.

Perdeu-se uma oportunidade muito grande de propiciar melhores condições para o povo cubano. Trump tem retórica extraordinária, mas acredito que irá por um meio termo. Vai ter em conta o que é primariamente importante para os EUA, que não haja um vazio de poder e uma crise em que um ou dois milhões de cubanos se joguem no mar.

Consegue ver algo positivo no legado de Fidel?
O mais positivo é que ensinou é que não se deve colocar todo o controle nas mãos de um só indivíduo.

Toda essa história da saude, da educação, do esporte, é uma falácia. Cuba nos anos 50 era um dos três países da América Latina com melhores condições sociais. Mesmo se fosse verdade, o custo para as três gerações perdidas foi tão extraordinário que deixa sem significado. Cuba seria muito melhor se Fidel Castro não tivesse existido.


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