Folha de S. Paulo


Bashar Assad enfrentará dificuldades para governar Síria se vencer guerra

21.set.2016/AP
Assad fala a jornalistas no palácio presidencial em Damasco, em setembro
Assad fala a jornalistas no palácio presidencial em Damasco, em setembro

Com o governo sírio realizando grandes ganhos territoriais em Aleppo na segunda-feira, derrotando os combatentes rebeldes e causando a fuga de milhares de pessoas que temem por suas vidas, começa a parecer que o presidente Bashar Assad, da Síria, sobreviverá ao levante, até mesmo na avaliação de alguns de seus mais ferrenhos oponentes.

No entanto, uma vitória de Assad, caso se confirme, pode se provar fútil. Ele manteria o domínio sobre uma terra arrasada, e estaria diante de uma insurgência atenuada mas persistente, dizem diplomatas e especialistas, no Oriente Médio e outros lugares.

As forças rebeldes em Aleppo se viram forçadas a absorver o revés mais grave que sofreram desde que ocuparam mais de metade da cidade, quatro anos atrás, e residentes dizem ter visto pessoas abatidas a tiros nas ruas enquanto corriam freneticamente em busca de abrigo. O novo ataque foi a culminação de meses de batalha de atrito, que destruíram bairros inteiros da cidade, no passado a maior da Síria e o polo industrial do país.

Se Aleppo cair, o governo teria sob seu controle as cinco maiores cidades da Síria e a maior parte da região oeste, a mais populosa. Isso deixaria aos rebeldes que combatem Assad apenas a província de Idlib, no norte, e alguns bolsões isolados de território nas províncias de Aleppo e Homs, e em torno da capital, Damasco.

George Ourfalian - 28.nov.2016/AFP
Veículo das forças sírias passar em frente a ruínas em bairro rebelde capturado nesta segunda (28)
Veículo das forças sírias passar em frente a ruínas em bairro rebelde capturado nesta segunda (28)

Mas analistas duvidam que isso ponha fim a cinco anos de guerra, que conduziram cinco milhões de sírios ao exílio e causaram a morte de pelo menos 250 mil pessoas.

Ryan Crocker, veterano diplomata no Oriente Médio, o que inclui serviço no Líbano, Síria, Kuwait e Líbia, onde ele foi embaixador dos Estados Unidos, disse acreditar que os combates na Síria continuarão por anos depois que o governo Assad tomar as cidades, porque os rebeldes se refugiarão nas regiões rurais.

"A guerra civil libanesa serve como comparação", ele disse. "Foi longa, disputada e cruel, e foram precisos 15 anos para que fosse encerrada; e o fim só chegou porque os sírios enviaram tropas ao Líbano e a fizeram parar".

Ele acrescentou que, "no caso da Síria, só se passaram cinco anos, e não existe uma Síria para interferir e fazer com que a guerra pare".

VIOLAÇÕES

Pouco mais de um ano atrás, esse desfecho era virtualmente impensável. Mesmo que Assad viesse a vencer, era o raciocínio corrente na época, ele havia violado tantas regras que seria inviável mantê-lo no poder.

De usar as chamadas "bombas barril" ao emprego de armas químicas contra áreas civis, passando por ocasionais contatos com o Estado Islâmico, de quem o governo compra petróleo, Assad violou tantas normas internacionais que a expectativa era de que fosse forçado a abandonar seu posto sob pressão internacional, abrindo caminho para um novo governo que teria mãos ligeiramente menos ensanguentadas.

Mas com apoio do poderio aéreo russo, de assessores iranianos e de recrutas que incluem milicianos iraquianos e afegãos treinados pelo Irã e combatentes do grupo militante libanês Hizbollah, o governo Assad virou a maré, e vem reconquistando firmemente os territórios perdidos anteriormente na guerra.

"A intervenção russa e iraniana mudou completamente a dinâmica, para Assad", disse Robert Ford, antigo embaixador dos Estados Unidos à Síria e hoje pesquisador sênior no Instituto do Oriente Médio.

"Observe os combates em Aleppo", ele acrescentou. "O número de soldados libaneses e de milicianos iraquianos e iranianos é tão grande quanto o de soldados nascidos na Síria, e por isso a guerra de atrito que era desfavorável a Assad mudou de direção por conta da presença militar iraniana".

Mas o lado sombrio é que país restaria depois disso tudo. "Se Assad ficar e os russos e iranianos vencerem, eles governarão um país semimorto, e a Síria será simplesmente uma ferida aberta, de ponta a ponta", disse Ford.

Assad também teria dívidas para com os seus dois aliados, Síria e Irã, desprezados por muitos dos cidadãos em seu país de maioria sunita e rejeitados por algumas das grandes potências sunitas do Oriente Médio. Isso significaria que ele teria de encarar esforços iranianos para solidificar o alcance de Teerã na região pela expansão da influência xiita na Síria, e exigências de maior participação em áreas conquistadas como Aleppo, o que talvez envolva posicionar milícias xiitas apoiadas pelo Irã na região, dizem alguns especialistas.

Ainda assim, ele está por cima, no momento, mesmo que de modo limitado. Falta assistência militar consistente aos rebeldes - especialmente agora que o futuro governo de Donald Trump expressou dúvidas quanto a manter o apoio a eles. Os grupos oposicionistas também estão divididos em uma ampla variedade de organizações, entre as quais facções que querem se aliar à Al Qaeda e separatistas curdos. Os rebeldes sofreram queda não só em seus efetivos militares mas no apoio da população, sempre um fator crucial para movimentos guerrilheiros.

Quando a Rússia entrou no conflito sírio, um ano atrás, a equipe de segurança nacional do presidente Barack Obama previu que ela logo se veria aprisionada em um atoleiro. Quase o oposto aconteceu: a Rússia agora parece forte e, em companhia do Irã, forneceu ao governo sírio os recursos de que ele necessitava para avançar militarmente.

Também é improvável que os Estados Unidos renovem seus esforços na Síria. Obama sempre resistiu a envolver seu país na guerra civil, e seu foco estava em derrotar o Estado Islâmico e em oferecer treinamento e assistência limitados aos rebeldes que se opõem a Assad. A expectativa é de que Trump mantenha o foco no Estado Islâmico, e ele expressou pouco interesse em manter o apoio aos rebeldes.

Enquanto isso, o governo Assad parece estar agindo metodicamente para destruir as posições rebeldes remanescentes em torno de Homs, Damasco e Aleppo.

As palavras de desespero empregadas por ativistas políticos, civis e combatentes rebeldes entrevistados por meio do serviço de comunicação WhatsApp, falando de lugares que agora vivem sob constante bombardeio, sugerem que a resistência dos rebeldes pode estar chegando ao fim - especialmente em Aleppo.

Um ativista rebelde de Aleppo, Hisham, que se recusou a fornecer seu sobrenome por medo de represálias do governo, disse que no final de semana os grupos rebeldes estavam realizando constantes reuniões para discutir o que fazer, e que a maioria das propostas envolvia negociar com o governo sírio para tentar levar material de assistência aos civis do leste da cidade, que precisam desesperadamente de comida, combustível e água limpa.

Os rebeldes enfrentam um dilema: continuar combatendo e permitir que civis morram de fome ou como resultado dos bombardeios, ou depor as armas para que o governo sírio, as milícias iranianas e os soldados russos permitam a passagem de comboios de suprimentos. Mas caso o façam, terão cedido o território que defendem ao governo sírio.

"Não é fácil decidir o que fazer. Se nos recusarmos, isso significa uma decisão de executar 300 mil pessoas, e se concordarmos em trocar nossa revolução por assistência, para que o cerco seja suspenso..." E depois disso Hisham se calou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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