Folha de S. Paulo


'Se murió Fidel?!', questiona dona de casa que hospedou repórter da Folha

Onze da noite desta sexta (25), rua Espada, centro de Havana, rompe o ruído usual dos velhos carros cubanos uma sirene policial e os pneus cantando no asfalto. Um homem preocupado ao volante seguiu à toda em direção ao Malecon, o giroflex posto de qualquer maneira no teto do carro civil. Àquela hora não havia como saber: Fidel Castro estava morto.

Na casa particular em que eu estava hospedado, um hotel de mochileiros improvisado, ninguém assistiu ao anúncio do irmão Raúl, em rede nacional de televisão. Enquanto todos planejavam os próximos dias em Cuba, o telefone tocou e a dona da casa atendeu: "Se murió Fidel?!"

A internet em Cuba, difícil em condições normais, é ainda mais inacessível em uma sexta à noite. Funcionários de um hotel se solidarizaram com um jornalista alarmado e liberaram o uso do computador —não sem antes pagar 2 CUCs (peso conversível, de cotação equiparada ao dólar e exclusiva para estrangeiros) pela hora de internet.

Madrugada no Brasil e em outros países, poucos veículos publicavam a morte do "comandante máximo". Então, Nicolás Maduro tuitou e não se podia mais duvidar.

No hotel, o gerente brigou com a recepcionista que lhe deu a notícia, pois não queria acreditar. Negou-se, até receber a notícia da própria mãe, integrante da primeira geração do Partido Comunista Cubano.

Outro dos funcionários não segurou as lágrimas na rápida conversa que tivemos. "Vai demorar a surgir alguém como ele. E igual a ele, nunca." "Foi um presidente muito bom para nós", repetia. Prevendo a comoção popular própria dos momentos históricos, fui à Plaza de la Revolución, às duas da manhã: três pequenos grupos de jovens turistas bebiam rum —nenhuma tristeza ou sentimento revolucionário.

O luto em Cuba é diferente do que se imagina para um povo "caliente" como esse. As ruas não explodiram de gente, estão silenciosas. Na manhã de sábado (26), funcionários montavam uma estrutura provisória na Plaza de la Revolución, para a cerimônia a ser celebrada na terça. Militares controlavam acessos ("por ahí no") e, por perto, apenas outro turista e eu. Nenhum cubano.

No Centro, alguns poucos cartazes, tímidos e escritos à mão, diziam: "Hasta siempre, comandante". Na TV cubana, a vida de Fidel é contada e recontada ao longo do dia, sem parar. Se sente o braço forte do Estado cubano: a população esperava pelo anúncio do governo sobre a programação de eventos pelo luto, para saber o que faria.

Quando lhes pergunto sobre possíveis demonstrações populares e manifestações de rua, as pessoas não só não sabem onde ou se aconteceriam, mas elas estranham. Aparentemente, ninguém se atreve a tanto, nem quando estão de acordo com o governo. A falta de liberdade se sente também na volta ao hotel com a internet. A solidariedade dos funcionários noturnos não se repetiu com o gerente diurno: a internet é só para hóspedes. "E jornalista, nesse momento... não, só para hóspedes."

Em minha segunda casa particular, essa com internet, Ania, a dona, sabe que sou jornalista, e diz que o governo sabe que estou hospedado com ela. Conta que não consegue se conectar há cinco dias aqui —usei a internet duas horas antes. Agora, realmente, não há mais internet.

Afinal, o governo anunciou eventos públicos para a próxima semana. Na rua, o mecânico Genaro me explicou que nesses dias não se bebe, não se toca, não se dança. À sua maneira, Ania me explicou que também não se reporta. O luto dos cubanos, portanto, é silencioso, com hora e lugar determinados.


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