Folha de S. Paulo


'Febre Trump' faz México temer por sua economia em novo governo

"Parece que todos vieram desafogar a raiva contra Trump fazendo compras", diz à Folha, rindo, Andrés Morales, vendedor de uma loja de eletrodomésticos da Cidade do México, referindo-se à correria do fim de semana.

Durante os dias 18 e 21, período conhecido como "El Buen Fin", lojas de todo o país ofereceram grandes descontos para as pessoas anteciparem as compras de Natal.

"Vendemos mais. As pessoas têm medo de que os preços subam", diz Enrique Solana, presidente da Confederação de Comércio.

A corrida para as compras de Natal antecipadas é só um dos sintomas da "febre Trump", que parece ter contaminado o México.

Ethan Miller - 12.nov.2016/Getty Images/AFP
LAS VEGAS, NV - NOVEMBER 12: Anti-Donald Trump protesters march on the Las Vegas Strip on November 12, 2016 in Las Vegas, Nevada. The election of Trump as president has sparked protests in cities across the country. Ethan Miller/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Protesto contra a eleição de Trump toma rua em Las Vegas, no último dia 12

Alvo preferido dos ataques da campanha do republicano, o país está em suspense, esperando saber se as promessas que o presidente-eleito fez com relação ao México se cumprirão: deportar imigrantes, sair de tratados internacionais —principalmente do Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte)—, cobrar impostos de remessas e forçar a saída das empresas norte-americanas de território mexicano.

Trump é assunto nas ruas, na TV e, principalmente, nas casas de câmbio. O peso mexicano, que já vinha perdendo valor com o bom desempenho do republicano durante a campanha, despencou depois do dia 8 de novembro, perdendo 13% de seu valor. Hoje, para comprar um dólar são necessários 20,2 pesos. Para segurar a queda, o banco central mexicano aumentou as taxas de juros em 0.5%.

"É como acordar cada dia com uma nova má notícia", diz o jornaleiro Jesse Orzabal, numa esquina do centro, enquanto aponta para uma reportagem de revista sobre o plano de Trump de deportar milhões de indocumentados.

RECEIO ECONÔMICO

Na capital mexicana, os dramas dos imigrantes ilegais, a ameaça da construção do muro e a violência dos cartéis são questões distantes.

O que preocupa os mexicanos que vivem no chamado "DF" (abreviatura para Distrito Federal) é a perspectiva de uma possível recessão, caso, após 20 de janeiro, Trump cumpra suas promessas.

O principal temor é o de que os EUA saiam do Nafta, acordo que criou, em 1994, uma área de livre-comércio entre EUA, México e Canadá, e que o presidente eleito dos EUA chamou de "desastre".

Trump culpa o tratado por ter levado empresas norte-americanas, principalmente as de automóveis, a se instalarem em território mexicano, onde a mão-de-obra é muito mais barata.

De 2011 a 2014, o México atraiu mais de US$ 10 bilhões em investimentos de multinacionais. Isso transformou o México no maior produtor de carros da América Latina, superando o Brasil em 2014.

Trump mostrou intenção de acabar com o Nafta e propor um imposto de 35% para todos os produtos mexicanos que sejam vendidos para os EUA. Isso não só abalaria o pujante pólo industrial, como toda a economia local, uma vez que é para o vizinho do Norte que se destinam 80% dos produtos para exportação mexicanos.

Para Jaime Zabludovsky, um dos negociadores do Nafta, a medida será um tiro no pé. "Os EUA não podem subir impostos sem que isso aumente os custos dos produtos para os próprios americanos. E mais, isso vai contra as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio]."

Para o analista José Carreño, sair do Nafta não será tão simples porque "os melhores aliados do México agora são as empresas dos EUA que têm mais de US$ 100 bilhões investidos no país". De fato, para essas empresas, é muito mais barato produzir no México, onde os salários são quase um quinto dos que são pagos aos trabalhadores da mesma indústria nos EUA.

Uma possível retirada das automotrizes do México gerou preocupação nas agências qualificadoras. Segundo a Fitch, "o México é o país mais exposto ao efeito Trump, se a incerteza se prolongar, serão afetados o consumo, os investimentos e a capacidade de pagamento do país".

O presidente Enrique Peña Nieto vem adotando um tom contemporizador. Admitindo que o novo cenário "gera uma grande incerteza", acrescentou que está de acordo em "revisar o Nafta", e vem tratando de convencer Trump a não rasga-lo completamente.

"Rever um tratado que já tem mais de 20 anos pode ser uma boa ideia", afirmou.

O mandatário mexicano vem insistindo na ideia de revisão do acordo, porque, caso seja essa a vontade de Trump, todas as decisões sobre alterações deverão passar pelo Congresso dos EUA, e ali o lobby das empresas junto a parlamentares pode atuar a seu favor. O México pode sair perdendo, mas talvez menos.


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