Folha de S. Paulo


Trump não olha para latinos, e Brasil pode ganhar com isso, diz brasilianista

Exceto pelas promessas agressivas de deter a imigração do México, Donald Trump expressou interesse zero na América Latina em sua campanha e isso não mudou depois que ele venceu a eleição presidencial americana. Embora tudo indique que a região continuará fora das prioridades de política externa dos EUA, como no governo Obama, isso pode ser positivo para o Brasil, que poderá se dedicar a suas urgências domésticas sem se preocupar com potenciais atritos com Washington.

Essa é a opinião de Riordan Roett, brasilianista e diretor do programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade Johns Hopkins.

Para Roett, a política econômica esboçada por Trump tem semelhanças com a da Presidência de Dilma Rousseff, com expansão fiscal e aumento do papel do governo, e isso poderá levar a uma explosão do déficit orçamentário dos EUA, como ocorreu no Brasil.

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O que dá para esperar do governo Trump em relação à América Latina?

Riordan Roett - Aparentemente não há nenhum interesse pela América Latina, com exceção do México, sobre o qual não sabemos se ele promete cumprir o que prometeu. Há muita preocupação no México, o valor do peso está errático, o Banco Central aumentou os juros. Conhecendo Trump eu não ficaria surpreso se ele disser que só deixará a questão da imigração para mais tarde. É de fato extraordinário como ele vai e volta nesses assuntos. Com a América Latina, exceto no comércio, que é crucial para a região e pode haver acordos bilaterais, não há sinais de uma política de integração regional.

Uma das promessas de campanha de Trump foi repudiar o Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio, entre EUA, México e Canadá). Qual seria o impacto disso?

É absurdo. Trump não conhece política externa e não entende que este é um acordo trilateral, e que os canadenses estão tão envolvidos quanto o México e os EUA. Seria uma renegociação bastante complicada. Tudo o que ele diz é que quer renegociar o acordo, sem dar detalhes sobre o que o preocupa. Só sabemos que, em geral, Trump é anti-comércio. Ainda não sabemos quem será o secretário de Estado, o que torna mais difícil saber qual a direção nas principais questões.

Qual sua avaliação sobre os prós e contras do Nafta?

O governo de Bill Clinton cometeu um grave erro em 1994, ao não cumprir a promessa de reciclar e realocar todos os trabalhadores americanos que perderam empregos para o exterior. Nada fizeram nesse sentido e é por isso que a AFL-CIO, a maior união sindical do país, tornou-se anti-comércio logo depois da implementação do Nafta. Foi o começo do Tea Party [movimento ultraconservador do Partido Republicano]. Empregos foram deslocados para o exterior, não há dúvida, era o começo da globalização. O governo deveria ter feito o que prometeu, mas é muito mais difícil treinar e realocar os trabalhadores em 2016. Não era tão complicado em 1994, tecnologicamente a economia global não era tão sofisticada, não havia as cadeias globais como hoje, o mundo era muito mais simples.

A maioria dos economistas concorda que o Nafta foi benéfico para os países envolvidos. Não há nenhuma necessidade de renegociar o Nafta, foi só parte da retórica de campanha de Trump, como construir um muro na fronteira com o México ou colocar Hillary Clinton na prisão. Ele é bom nessas frases curtas que atraem muita atenção. Não sabemos que tipo de políticas ele vai adotar quando estiver na Casa Branca. Ele tem mudado de posição em vários pontos, portanto é muito difícil analisar ou reportar sobre alguém que é uma espécie de alvo móvel. Ele diz que vamos deixar o Nafta, mas para por aí, não dá detalhes específicos.

No primeiro pronunciamento formal depois do discurso da vitória, Trump disse que pretende abandonar os acordos multilaterais e se concentrar em negociações bilaterais. Isso pode ser bom para o Brasil que está buscando diversificar seus pactos comerciais?

Acho que com o governo Temer e o chanceler Serra isso certamente é uma possibilidade. Era impossível nos anos do PT, que não estava interessado em uma relação mais forte com os EUA. Com Serra claramente o Itamaraty está muito mais forte na área de comércio e [um acordo bilateral] seria visto positivamente. Mas nada está claro porque ainda não sabemos quem será o representante de Comércio de Trump. Nem tenho certeza de que ele irá manter o escritório do representante de Comércio, dadas as suas posições sobre comércio. Enquanto não soubermos quem serão os atores, é quase impossível fazer qualquer previsão.

A eleição de Trump cria oportunidades para a China aumentar sua presença na América Latina?

Este é um tema sobre o qual a direita do Partido Republicano adora falar, a invasão chinesa da América Latina. Os chineses têm sido muito cautelosos em sua relação com a América Latina, no sentido de manter a associação no nível dos negócios, particularmente em commodities. O presidente [chinês] Xi Jinping não é um idiota. É um homem muito inteligente e não precisa de um impasse com os EUA sobre a América Latina, que é uma parte menor da política externa chinesa. O que é crítico para a China é a Ásia.

A América Latina é muito distante da China. A questão real para o presidente eleito Trump será o mar do Sul da China e a ausência do TPP [Parceria Transpacífica, acordo entre EUA e outros 11 países que Trump não quer levar adiante], os EUA terão um enorme desafio nas mãos para trabalhar novos relacionamentos com o Japão, com o Vietnã, na tentativa da deter uma expansão rápida da China no mar do Sul da China. Sem o TPP os países vão ser atraídos para a alternativa chinesa.

Acho que Trump não estará muito interessado nisso, porque ele não parece entender a geopolítica, esse é o problema. E as pessoas que ele tem nomeado ou são "falcões" [linha-dura], principalmente em relação ao [grupo terrorista] Estado Islâmico, ou também não sabem muito sobre política externa. Só saberemos mais quando ele nomear o secretário de Estado e outros cargos na área. Se ele escolher alguém louco como Ruddy Giuliani, tudo é possível. Se for alguém como Mitt Romney, que é um republicano razoável, aí teremos ideias que são contrárias às de algumas pessoas na Casa Branca, mas pelo menos haverá um porta-voz de uma política externa mais racional e pragmática. Mas olhando para a corrida presidencial de 2012 [quando Romney foi candidato] a América do Sul também não foi parte de sua campanha.

O senhor comparou a política econômica de Trump à de Dilma Rousseff. Por que?

Há muitas semelhanças. Os mais ricos ficarão bem sob o governo Trump e isso ocorreu com a Dilma. A ideia de grandes projetos de infraestrutura, que era muito presente sob Dilma, embora ela não tenha feito muito, também é um tema de Trump, que fala em criar empregos e reformar estradas e aeroportos. A questão é sempre o financiamento, que foi um grande problema para Dilma, porque ela gastou mais do que tinha. O grande temor é que isso é exatamente o que Trump fará, gastar mais do que arrecada com impostos, colocando pressão no balanço da conta corrente e possivelmente levando à alta da inflação. Dilma defendia um governo grande, e enquanto os republicanos falam em encolher o papel do governo, na verdade Trump também parece caminhar para o oposto, dizendo que o governo vai resolver problemas de infraestrutura, substituir o Obamacare, etc.

*Com exceção de Cuba, a América Latina também não esteve entre as prioridades do governo Obama. Com Trump teremos mais do mesmo? *

Até agora não há indicação de que alguém no governo Trump esteja pensando na América do Sul. O premiê do Japão foi até a Trump Tower para se reunir com o presidente eleito logo após a eleição. Não há nenhum sinal de que a equipe de transição esteja interessada em uma conversa parecida com o presidente Temer, se é que eles sabem quem é Temer. [O Brasil] simplesmente não está no radar.

Isso pode ser bom?

Exatamente. O governo Temer tem questões internas para resolver antes da eleição de 2018. É melhor dedicar esse tempo para lidar com o ajuste fiscal e a reforma previdenciária, são políticas muito grandes e não acho que Serra queira entrar em qualquer tipo de conflito com os EUA. Sobre a crise na Venezuela, por exemplo, acho que haverá uma convergência de posições entre EUA, Brasil e Argentina.


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