Folha de S. Paulo


México teme queda de remessas sob novo governo de Donald Trump

Ethan Miller - 12.nov.2016/Getty Images/AFP
Manifestantes seguram bandeira do México em protesto contra Trump em Las Vegas
Manifestantes seguram bandeira do México em protesto contra Trump em Las Vegas

"Acabei de chegar à Califórnia. Nós, latinos, estamos todos muito confusos. Por enquanto, estou trabalhando normalmente, mas dizem que vão deportar todo mundo aqui na obra. Somos todos indocumentados", diz à Folha, por telefone, um imigrante ilegal mexicano (preferiu não dizer o nome), que deixou a cidade de Tecoanapa, no Estado de Guerrero, há pouco mais de um mês, para trabalhar na construção, em Los Angeles.

"Só espero que dê tempo de juntar dinheiro para comprar o material, a comida e os uniformes para meu filho ir à escola neste ano. Quero que entre numa universidade."

Tecoanapa é um vilarejo humilde, com poucas ruas asfaltadas. "As pessoas não teriam dinheiro para vir comprar as coisas aqui se não fosse o dinheiro dos parentes que estão do outro lado", conta Isis Leiva, que vende calçados no local. Ela tem uma tia e dois sobrinhos morando no Arizona.

Alejandro Dorantes, primo do indocumentado do início desta reportagem, se diz preocupado e acha que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, não sabe o que está fazendo ao ameaçar deportar os mexicanos.

"Primeiro, porque nós fazemos lá tudo o que os americanos não querem fazer, como trabalhar na limpeza, na construção."

Ao lado de Oaxaca, Guerrero é um dos Estados mais pobres do México e uma das áreas que mais recebem remessas enviadas por parentes que foram trabalhar "do outro lado" —quase ninguém usa "Estados Unidos" para dizer onde estão os parentes.

A economia desses Estados será das mais afetadas caso Trump ponha em marcha planos de deportação.

No geral, o país todo será afetado. Juntando as remessas dos ilegais com a dos mexicanos já estabelecidos legalmente nos EUA, o envio de dólares oriundos do vizinho do norte é hoje a principal fonte de ingresso de dinheiro no México, mais do que as exportações de petróleo e do que a indústria do turismo, que estão entre as atividades mais rentáveis, segundo dados oficiais.

Só no ano passado, as remessas alcançaram US$ 24,8 bilhões. Para este ano, consultorias independentes e bancos como o BBVA preveem que essa cifra será ainda mais alta e atingirá um recorde de US$ 27 bilhões, pois muitos já estão enviando muito mais dinheiro nas últimas semanas, com medo de que, após 20 de janeiro, quando Trump iniciar o governo, as coisas mudem.

A ameaça às remessas não vem só do plano de deportações. Durante a campanha, Trump prometeu mandar embora do país, a princípio, apenas os imigrantes ilegais —são 11 milhões, dos quais 52% são mexicanos.

Outro risco para a economia local é a promessa de colocar um imposto de 5% para as remessas feitas por cidadãos mexicanos em geral, mesmo os legais, vivendo no país. Com essa verba, reafirmou Trump na campanha, seria possível construir o alardeado muro de concreto que fecharia a fronteira sul.

Segundo o Anuário de Migração e Remessas, documento elaborado pelo governo mexicano, o dinheiro vindo "do outro lado" é usado principalmente para gastos básicos em alimentação e roupas, e sua destinação principal são mesmo os Estados mais pobres do país.

Segundo Armando Sánchez Vargas, da Universidade Nacional Autônoma do México, o impacto da interrupção ou da redução drástica das remessas será forte porque "se sentirá numa redução do consumo interno que se refletirá no PIB".

O estudioso calcula, com base nos dados de anos anteriores, que as remessas representem hoje 0,4% do PIB. "Portanto, se essa verba for cortada, cresceremos menos, e será um componente importante de uma possível recessão", afirma Vargas.

Segundo o Censo americano, a população de origem mexicana no país vizinho é de cerca de 37 milhões de pessoas, incluindo os imigrantes ilegais, os legais, e os filhos norte-americanos dos casais mexicanos.

"Creio que, quem puder, enviará a maior quantidade de dólares aos familiares no México antes da posse de Trump", diz Juan José Li, economista do BBVA.

"Mas isso é para os compatriotas ricos, já estabelecidos aqui. Meus colegas e eu, que recém cruzamos a fronteira, ganhamos pouco e por semana. Tenho que esperar juntar bastante para mandar para o México, senão não compensa. Vamos esperar, com fé, quem sabe esse senhor se dá conta do que está fazendo", diz o indocumentado de Tecoanapa em Los Angeles, referindo-se a Trump.


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