Folha de S. Paulo


Escolhida por Trump para Educação afastou dinheiro de escolas públicas

Seria difícil encontrar alguém mais engajada com a ideia de afastar dinheiro público das escolas públicas tradicionais do que Betsy DeVos, a escolhida por Donald Trump para ser a secretária de Educação dos Estados Unidos.

Como filantropa, ativista e levantadora de fundos para o Partido Republicano, há quase 30 anos DeVos incentiva a entrega de vouchers (pagos com dinheiro dos contribuintes) a famílias para pagar mensalidades de seus filhos em escolas particulares ou paroquiais. Além disso ela vem fazendo pressão pela ampliação de escolas autônomas (instituições particulares, mas que recebem verbas públicas) e procurando reduzir a influência dos sindicatos de professores.

Filha de família rica, seu marido Dick DeVos, que há dez anos foi candidato derrotado ao governo do Michigan, é herdeiro da fortuna Amway. Como muitos filantropos educacionais, DeVos argumenta que uma criança não deve ser obrigada a estudar numa escola falida apenas devido ao lugar onde vive.

Mas seus esforços para ampliar as oportunidades educacionais em seu próprio Estado, o Michigan, e no resto do país passam por cima das escolas públicas existentes e focalizam quase inteiramente a criação de modelos mais novos e empreendedores para competir com as escolas tradicionais por alunos e dinheiro. Suas doações e seu ativismo são voltados quase inteiramente a grupos que procuram afastar alunos e dinheiro das escolas públicas, que Trump descreve como "as escolas governamentais falidas".

Ativistas conservadores que defendem a possibilidade de escolha escolar a saudaram na quarta-feira (23) como alguém que, como eles, semeia a agitação no ensino público e vai procurar bloquear o que eles enxergam como sendo a ingerência federal nas escolas locais.

Drew Angerer/AFP
(FILES) This file photo taken on November 18, 2016 shows president-elect Donald Trump and Betsy DeVos after their meeting at Trump International Golf Club, in Bedminster Township, New Jersey. US President-elect Donald Trump announced November 23, 2016 that he intends to nominate Betsy DeVos, a wealthy Republican campaigner for alternatives to public schools, as his education secretary.DeVos is the second woman Trump has tapped to fill a cabinet position. He earlier named South Carolina Governor Nikki Haley to be US ambassador to the United Nations. / AFP PHOTO / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Drew Angerer
O presidente eleito Donald Trump e Betsy DeVos após uma reunião em Nova Jersey

O ex-governador Jeb Bush, da Flórida, onde DeVos ajudou a promover leis de incentivos fiscais para bolsas de estudos em escolas particulares, descreveu DeVos como "uma escolha excelente" e "uma defensora ferrenha de mudanças que fará pressão por uma nova visão da educação".

"A lealdade dela é dada às famílias, especialmente às famílias que se esforçam na base da pirâmide econômica, e não a um modelo superado de ensino público que não vem funcionando para elas, de geração em geração", ele escreveu no Facebook.

Frederick M. Hess, diretor de estudos de política educacional no conservador American Enterprise Institute, em Washington, qualificou DeVos como "uma conservadora inteligente e de princípios, favorável ao governo menor, que tem experiência com política e é bem informada em relação às políticas relevantes".

Mas os sindicatos de professores a rejeitam completamente.

Randi Weingarten, presidente da Federação Americana de Professores, descreveu DeVos como "a figura mais ideológica, mais antiensino público escolhida para a pasta da Educação" em quatro décadas.

Mesmo alguns grupos favoráveis às escolas autônomas, como ela, receiam que a escolha de uma secretária da Educação tão identificada como partidária dos vouchers é um indício de que a administração Trump vai tentar reduzir as verbas do ensino público.

Quando era candidato, Trump propôs que US$ 20 bilhões em verbas públicas já existentes fossem direcionados para vouchers que as famílias poderiam usar para pagar as mensalidades de escolas particulares ou paroquiais. Talvez US$ 15 bilhões desse valor viriam das verbas destinadas às escolas que atendem os alunos mais pobres do país. Trump descreveu a escolha escolar como "a questão de direitos civis de nossos tempos".

Amber Arellano, diretora-executiva do grupo Education Trust-Midwest, no Michigan, que defende as escolas autônomas, mas critica uma lei relativa às escolas autônomas no Michigan que DeVos gastou milhões para defender, disse que a escolha de DeVos para a pasta da Educação "pode enfraquecer os avanços arduamente conquistados do país, desviando recursos dos jovens que mais os necessitam ou descumprindo a responsabilidade do governo federal de proteger as necessidades e os interesses de todos os estudantes, especialmente os mais vulneráveis".

O Michigan é um dos maiores "laboratórios" americanos de escolha escolar, especialmente com escolas autônomas. Os distritos escolares de Detroit, Flint e Grand Rapids têm algumas das dez maiores parcelas nacionais de estudante matriculados em escolas autônomas, e o Estado repassa a essas escolas US$ 1 bilhão por ano em verbas educacionais. Dessas escolas, 80% são dirigidas por empresas com fins lucrativos —uma parcela muito maior que em qualquer outra parte do país.

Betsy DeVos e seu marido, os nomes mais destacados da política republicana estadual, podem ter sido os maiores apoiadores financeiros e políticos do esforço.

AVALIAÇÃO

Mas, se o Michigan é um centro de escolha escolar, é também um dos piores lugares para se argumentar que a escolha melhora o nível das escolas. À medida que o Estado aderiu às escolas autônomas e as ampliou, nas duas últimas décadas, ele vem caindo nos rankings nacionais de provas de leitura e matemática. A maioria das escolas autônomas apresenta performance abaixo da média estadual.

E uma revisão federal de 2015 identificou uma porcentagem "injustificavelmente alta" de escolas autônomas na lista das escolas de pior desempenho no Estado. O número de escolas autônomas nessa lista dobrou desde 2010, após a aprovação de uma lei de ampliação dessas escolas promovida por um grupo financiado por DeVos. O grupo bloqueou um dispositivo da lei que teria proibido escolas com baixo desempenho de serem ampliadas ou reproduzidas.

DeVos, 58, tornou-se ativista educacional principalmente com a defesa dos vouchers. Ela já participou dos conselhos de direção de várias organizações que fazem campanha em todo o país pelos vouchers.

Uma iniciativa que ela liderou para criar vouchers educacionais no Michigan fracassou em 2000. No ano seguinte, DeVos criou o Projeto Educacional dos Grandes Lagos, que se tornou proponente ferrenho da expansão das escolas autônomas. Ela vem doando generosamente a candidatos que apoiam o projeto.

A lei do Michigan defendida por DeVos para o estabelecimento de escolas autônomas, 20 anos atrás, autoriza um número muito grande de organizações a fundar escolas desse tipo, mas criou poucos mecanismos de fiscalização. Mesmo os defensores republicanos das escolas autônomas dizem que a lei permitiu a ampliação ou reprodução de escolas autônomas de baixo nível.

Na primavera passada, o grupo apoiado por DeVos foi a força principal por trás da derrota de um projeto de lei que visava definir critérios para identificar e fechar escolas falidas, tanto autônomas quanto públicas, em Detroit, onde uma enxurrada de escolas autônomas criadas na última década gerou uma situação que mesmo os defensores dessas escolas descrevem como caótica.

DeVos nasceu no oeste do Michigan, a parte mais conservadora e religiosa do Estado, onde seu pai criou uma empresa de autopeças bem-sucedida. Seu irmão é Erik Prince, fundador da empresa de segurança privada Blackwater, que recebeu contratos do governo americano valendo bilhões no Oriente Médio.

Como muitos conservadores que apoiaram Donald Trump, DeVos não é a favor do Common Core, o conjunto de padrões que definem os conhecimentos que os alunos em cada ano do ensino devem dominar. O conjunto foi desenvolvido pela Associação Nacional de Governadores e outros grupos e é descrito incorretamente como sendo uma política federal.

DeVos não tinha apoiado Trump; sua família defendeu o senador Marco Rubio, da Flórida, na primária presidencial republicana.

Na quarta (23), ela escreveu no Twitter: "É uma honra trabalhar com o presidente eleito em sua visão para tornar a educação americana grande outra vez. A situação em que a educação se encontra hoje não é aceitável".

Tradução de Clara Allain


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