Folha de S. Paulo


Opinião

Virtude de Trump é defender abertamente interesse da população

O republicano Donald Trump venceu por ter feito para o cidadão americano médio o que ninguém mais teve coragem de fazer: defendê-lo. Ousou colocar seus interesses, e não o dos mexicanos, dos chineses ou dos organismos internacionais, em primeiro lugar.

O trabalhador branco médio, cujo futuro é incerto, cujas perspectivas de trabalho se for demitido não são boas, convive ainda com a desqualificação cotidiana de sua identidade por parte das elites.

Joshua Roberts/Reuters
Donald Trump faz sinal enquanto caminha com líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, no Capitólio
Donald Trump faz sinal enquanto caminha com líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, no Capitólio

Sua fé é um arcaísmo retrógrado e perigoso (enquanto o islã é a religião da paz). Seus valores não passam de preconceitos caipiras. Seu esforço não passa de privilégio.

Seu desejo sexual é machismo. Ao mesmo tempo, populações mais pobres, menos regradas e mais violentas recebem toda a compaixão e admiração dos intelectuais e da mídia.

Ainda para completar, os jornais comentam –otimistas– que em um futuro próximo o homem branco será minoria nos EUA, perdendo seu peso eleitoral.

Simpatizemos ou não com eles, a classe trabalhadora branca norte-americana, tão demonizada pela própria elite do país, mantém com muito esforço uma sociedade que funciona. Se essa sociedade começa a dar sinais de precariedade para beneficiar Wall Street e se seu modo de vida é demonizado pela cultura oficial, chegará a hora de reagir.

Enquanto se vê cerceada em sua fala e em seus hábitos pelas demandas crescentes do politicamente correto –que exige que se coloquem os sentimentos cada vez mais sensíveis de todos os grupos humanos antes dos próprios–, eis que chega Trump.

Ele fala o que dá na telha, não dá a mínima para o que os outros vão pensar.

Ostenta feliz seus bilhões de dólares. Ofende quem quer se sentir ofendido e em hipótese alguma pede perdão por algo (seu único grande risco foi quando ofendeu a moral sexual conservadora). "Eu não tenho coragem ou força de me autoafirmar; mas tem alguém ali em cima que o faz por mim."

Trump mandou às favas a moral pública de nossos tempos, que curiosamente só servia para desqualificar o eleitorado branco médio, o "opressor", e nunca para defendê-lo. Resgatou um valor mais vital: buscar sempre o próprio bem e vencer.

Retórica e propostas têm o autointeresse como eixo comum. A defesa do protecionismo comercial e do muro anti-imigração protegem as bases econômicas da vida dos eleitores. A postura petulante e vaidosa, por sua vez, é um ataque frontal ao politicamente correto que reafirma o valor da própria existência contra o dever do altruísmo.

O resultado foi deplorável, nisso eu concordo. Mas não ataquemos justamente sua virtude: defender abertamente os interesses da população, negar a obrigatoriedade da compaixão auto-sacrificial.

O que está errado aí é a crença no antagonismo dos interesses dos povos: que o bem dos mexicanos ou dos chineses só pode existir à custa dos americanos.

Hillary jamais contestou essa premissa; jamais fez uma defesa positiva do sistema de liberdade econômica no qual todos ganham e que ela, na prática, promovia enquanto secretária de Estado.

Aceitou a lógica do antagonismo (e portanto, do protecionismo), mas foi inconsistente na hora de aplicá-la, porque sua retórica tinha que pagar pedágio à defesa dos oprimidos contra os opressores. Embora fosse a melhor candidata, pagou com a eleição.

JOEL PINHEIRO DA FONSECA é economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP


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