Folha de S. Paulo


Menosprezar inteligência de eleitores de Trump é um erro, diz pesquisadora

Dominick Reuter/AFP
Homem com placa de
Homem com placa de "Eu sou um deplorável", termo usado por Hillary a respeito dos eleitores de Trump

Hillary Clinton chamou-os de "deploráveis", os partidários dela os menosprezam e a mídia americana —que apoia a democrata quase de forma unânime se esforça para entender sua motivação. Os eleitores de Donald Trump são um fenômeno pouco compreendido e alvo de forte preconceito às vésperas da eleição presidencial no país.

Entretanto, não há ingenuidade ou estupidez por trás da decisão desses milhões de americanos, segundo a pesquisadora Sara Gorman, que investigou os processos mentais que levam as pessoas a seguirem um líder carismático como Trump, ou acreditarem em teorias da conspiração. A análise se alinha a seu estudo sobre por que as pessoas ignoram evidências científicas e factuais e se apegam a crenças baseadas em emoção.

"É um erro pensar que quem nega fatos científicos e quem segue líderes carismáticos é ingênuo ou burro", disse, em entrevista à Folha. Segundo ela, esse tipo de decisão tem menos relação com inteligência e está mais ligada a emoções e ao sentimento de impotência e de perda de controle sobre a realidade.

"Ao acreditar em Trump, ou em uma teoria da conspiração, as pessoas recuperam a sensação de poder ao sentir como se tivesse informações que o resto das pessoas não têm", explicou. "Não são facetas de inteligência, e tem a ver com as circunstâncias e as emoções dessas pessoas."

Gorman é especialista em saúde pública e autora de "Denying to the Grave: Why We Ignore the Facts That Will Save Us" [Negando até o túmulo: Por que ignoramos fatos que podem nos salvar], publicado pela Oxford University Press no mês passado.

Apesar de sua pesquisa não se basear oficialmente na atual eleição, ela traça muitos paralelos entre seu estudo e a atual campanha. Isso fica evidente especialmente na personalidade de Trump e na sua postura de alimentar teorias conspiratórias, como a de que há fraudes na eleição, ou de que o aquecimento global não existe.

"Trump é um líder carismático que se posiciona como alguém que está à margem do sistema e que é vítima do establishment político", diz. Líderes carismáticos assim costumam criar um poderoso senso de inimigo comum, explica. E ao criar este inimigo, cria forte identidade em seu próprio grupo.

"Assim que isso acontece, forma-se uma nova psicologia em que a emoção assume um lugar primordial, deixando os fatos de lado. As pessoas se tornam emotivas em sua relação com o grupo, e passam a suprimir a parte racional do cérebro", diz.

Segundo ela, Trump conseguiu fazer isso, formar um grupo grande de pessoas que vão apoiá-lo independentemente do que venha a acontecer, com forte culto a sua personalidade e supressão da razão pela emoção.

DIÁLOGO

Além de diagnosticar o processo que leva eleitores a apoiar Trump, Gorman critica a forma como os eleitores de Hillary respondem à opção dos seus opositores pelo voto no republicano.

Segundo ela, o impulso dos que não acreditam em Trump (como ela própria) é desfilar fatos e estatísticas que provem que ele está errado, ou que mente. "Não apenas isso não funciona, como pode ter efeito contrário, fazendo com que as pessoas se apeguem ainda mais a suas crenças", diz.

Isso porque tentar ensinar ou insinuar que essas pessoas não conhecem o assunto faz com que elas se sintam pior, o que as joga de volta no ciclo em que elas estavam presas quando passaram a acreditar nele.

A estratégia mais adequada, segundo ela, é um diálogo lento e contínuo. "Um dos principais pontos é inocular ideias, em vez de tentar a persuasão. Como numa vacina, um vírus em forma mais fraca, o processo consiste retirar das ideias em debate a emoção com que costumam ser usadas.

Isso expõe as pessoas aos problemas ligados às ideias que fazem parte das teorias da conspiração, e faz com que elas tenham mais facilidade de reavaliar o que pensam", diz.


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