Folha de S. Paulo


Namoro entre Trump e Putin reaviva Guerra Fria

Mindaugas Kulbis/Associated Press
Na cidade de Vilnius, na Lituânia, grafite de rua zomba da relação entre Trump e Putin
Na cidade de Vilnius, na Lituânia, grafite de rua zomba da relação entre Trump e Putin

A suposta interferência da Rússia na campanha eleitoral americana, uma das mais acirradas polêmicas no período, contribuiu para azedar ainda mais a relação entre Washington e Moscou, que afundou a seu ponto mais tenso desde a Guerra Fria a partir da invasão russa da Ucrânia, em 2014.

Um mês antes da eleição, o governo americano acusou Moscou formalmente de estar por trás do roubo e do vazamento de cerca de cerca de 20 mil e-mails de dirigentes democratas, às vésperas da convenção do partido que confirmou Hillary Clinton como sua candidata à Casa Branca, numa tentativa de causar constrangimento à legenda. O vazamento levou à queda da presidente do partido, Debbie Wasserman Schultz.

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Pouco depois, hacker russos foram acusados pelo FBI (polícia federal) de invadir computadores do sistema eleitoral dos Estados de Illinois e Arizona. O governo russo negou as alegações, que o presidente do país, Vladimir Putin, chamou de "histeria".

A suspeita de interferência de Moscou no processo eleitoral americano ganhou mais força com as trocas de elogios entre Putin e o candidato presidencial republicano, Donald Trump.

Entretanto, para um estudioso do assunto, o cientista político Dov Levin, mesmo que pareçam verdadeiras, as alegações não devem ter efeito no resultado da eleição desta terça (8), por três motivos. Primeiro, porque foram modestas. Segundo, a interferência foi parcialmente exposta, o que enfraquece seu efeito. E, por último, há evidências históricas de que esforços parecidos de influenciar eleições nos Estados Unidos, em 1940, 1948 e 1980, não tiveram efeito.

Além disso, Levin afirma que operações desse tipo estão muito longe de serem algo extraordinário, ou exclusividade de um dos lados. De acordo com Levin, pesquisador da Universidade Carnegie-Mellon (Pittsburgh, Pensilvânia), entre 1946 e 2000, EUA e Rússia/União Soviética intervieram em 117 eleições ao redor do mundo —em média, um a cada nove pleitos competitivos.

"Ambos os lados usaram uma variedade de métodos, incluindo ameaças públicas ou promessas, pagamentos secretos a partidos ou candidatos preferidos, 'truques sujos', o aumento da ajuda externa antes da eleição ou a retirada dela, e a produção de materiais e estratégias eleitorais para o lado preferido", enumerou Levin em artigo para o "Washington Post".

Para observadores da política russa, não há dúvida de que a retórica de Trump é música para os ouvidos de Putin, principalmente quando o bilionário considera a possibilidade de retirada dos EUA da Otan, a aliança militar do Ocidente criada após a Segunda Guerra Mundial para conter a União Soviética.

Além disso, o tom isolacionista de Trump também agrada Moscou, que, desde o fim da Guerra Fria, tem como "objetivo permanente" tornar o mundo mais multipolar, enfraquecendo a influência dos EUA, explicou à revista "Forbes" Alexander Baunov, pesquisador do Centro Carnegie de Moscou.

O teórico neoconservador Joshua Muravchik acredita que a redução do papel dos EUA no mundo sob o governo do presidente Barack Obama facilitou a interferência russa.

"Se Obama não tivesse seguido uma política dedicada a diminuir os EUA, eu duvido que Putin teria ousado se meter na eleição como fez. Naturalmente, Putin reconhece a fragilidade das bravatas de Trump e sente uma oportunidade para fazer da Rússia uma potência global novamente, elogiando e manipulando um homem ignorante e vaidoso", disse Muravchik à Folha.

Para ele, foi "uma aposta arriscada". Muravchik diz crer que Hillary vencerá a eleição e a interferência de Putin a tornará mais inclinada a ser dura com a Rússia se chegar à Casa Branca.

FANTASMA

A ideia de que uma potência estrangeira possa desequilibrar a eleição, contudo, deve permanecer como um fantasma para muitos americanos, seja qual for o resultado da eleição presidencial.

"Estamos discutindo ameaças à nossa segurança nacional pela interferência de um governo estrangeiro em nosso processo eleitoral", disse ao jornal "Financial Times" Michael McFaul, ex-embaixador dos EUA na Rússia.


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