Folha de S. Paulo


OPINIÃO

EUA 'introvertidos' e China

Fotomontagem/AFP
Para os chineses, Hillary é o diabo conhecido e o isolacionismo de Trump cairia como uma luva
Para os chineses, Hillary é o diabo conhecido e o isolacionismo de Trump cairia como uma luva

A Guerra Fria não acabou em nocaute, mas em W.O. Impossibilitada de prosseguir na dispendiosa confrontação bipolar, a URSS abandonou os Estados Unidos na condição de única superpotência.

A atual eleição nos Estados Unidos determinará o engajamento global de Washington. Dela depende a forma com que o "G2" (EUA e China como protagonistas) moldará a ordem mundial.

Com Hillary, os EUA continuarão seu "pivô para a Ásia". Dada a ascensão chinesa nos quesitos poder, prosperidade e prestígio, isso elevará o potencial cooperação-conflito com Pequim. No entanto, para os chineses, que lidam com Hillary há 20 anos, ela é o diabo conhecido.

Com Trump, as relações sino-americanas mergulham na incerteza. De tal escuridão pode resultar, entre outros pesadelos, uma guerra comercial.

Mas é também plausível, dada a retórica antiglobalização de Trump, que os Estados Unidos se retirariam da Ásia. A China seria assim "abandonada" como principal núcleo de poder na região.

Em temas comerciais, o candidato republicano fala grosso com Pequim. Quando o assunto é geopolítica, é mais duro com Tóquio ou Seul.

Trump deseja refazer as contas dos gastos de defesa que os Estados Unidos mantêm com Japão e Coreia do Sul –hoje "aliados estratégicos". Eles teriam de pagar pela "proteção" americana.
Isso soa como música para Pequim, que deseja estabelecer-se como ator geopolítico inquestionável na Ásia.

No Mar do Sul da China, epicentro de tensões por soberania, os chineses rechaçam no discurso oficial a atuação de potências externas (numa clara alusão aos Estados Unidos) e de seus vizinhos.

A eles, numa reunião da ASEAN em 2010, o então chanceler chinês Yang Jiechi advertiu: "A China é um país grande. Vocês são pequenos."

O isolacionismo de Trump cai como luva para uma China que não dissimula pretensões globais. A China hoje é a maior fonte de financiamento para o desenvolvimento –função em que supera instituições lideradas pelo Ocidente, como o Banco Mundial.

Pequim comanda nova agência para investimento em infraestrutura na Ásia, em detrimento do banco regional liderado pelo Japão com endosso de Washington. E com o Banco dos Brics, sediado em Xangai, Pequim pode viabilizar projetos sem restrições geográficas.

Peça fundamental da política externa Obama-Hillary para a Ásia é o Tratado Transpacífico (TTP) –principal ingrediente para contrapor-se à hipercompetitividade da economia chinesa.

Trump rasgará o TTP, o que só enfraquecerá os EUA perante a China. Hillary, que o negociou, dele distanciou-se durante a campanha –e torce para que o Congresso americano o aprove antes da posse presidencial. Assim, evitaria voltar atrás na retórica oportunista que adotou para ganhar a Casa Branca.

Divisões internas repercutirão numa política externa americana de que se pode esperar tudo –até mesmo a retração.

E isso num momento em que Pequim se move, na Ásia e no mundo, em pronunciada extroversão.


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